De um dos cantos do Sol, um disco negro avança lentamente. O corpo celeste que ilumina a noite agora traz para o dia uma amostra da sua escuridão. Na Terra, uma sombra avança na velocidade de um avião supersônico, a mais de 2.500 quilômetros por hora. Leva pouco mais de uma hora até que a Lua cubra o astro-rei completamente. Poucos segundos antes do ápice do eclipse, o Sol é reduzido a uma fina linha ao redor do satélite. Subitamente, a noite vem, as estrelas aparecem no céu e a coroa solar envolve a Lua. A temperatura cai bruscamente, em até 10;C, e um vento repentino pode aparecer. O fenômeno é tão poderoso que animais noturnos saem das tocas e os diurnos vão dormir, para acordarem confusos alguns minutos depois. É a chamada totalidade do eclipse solar.
Na próxima segunda-feira, o fenômeno intrigante percorrerá os Estados Unidos de costa a costa, algo que não acontece há quase um século. Apesar de o eclipse solar não ser raro ; acontece a cada 18 meses ;, é incomum que a totalidade percorra um país tão grande e por tanto tempo, ainda mais o lar da maior agência espacial do mundo, a Nasa, que se prepara para explorar ao máximo a oportunidade astronômica.
Diversas missões estão sendo preparadas, incluindo uma gama de satélites no espaço, balões meteorológicos, observatórios em solo e telescópios montados em aviões, que seguirão a totalidade para estender ao máximo a sua duração. Enquanto em solo ela não passará de 2 minutos e 40 segundos, a bordo dos aviões, ocorrerá durante cerca de 8 minutos, dando mais tempo para os experimentos.
;Existe previsão de eclipses literalmente há milênios, mas nem sempre é possível deslocar técnicos e equipamentos para a faixa de totalidade. Muitas vezes, uma parte grande dessa faixa está no mar, em locais remotos ou em regiões conflagradas do mundo. Desta vez, tem-se um eclipse total que atravessará o país que tem a maior agência espacial do mundo e, ainda por cima, nas férias de verão. Com certeza, a oportunidade vai ser muito bem aproveitada;, diz Roberto Costa, professor do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo (USP).
[SAIBAMAIS]Segundo o especialista brasileiro, quando o eclipse solar é observado em condições normais, o que se vê é a chamada fotosfera, a superfície extremamente brilhante e quente que emite luz. Acima dela, existem ainda a cromosfera e a coroa solar ; a aura que envolve o eclipse total ;, que têm uma luminosidade muito tênue e só podem ser observadas durante o fenômeno completo. As forma da coroa, diz Roberto Costa, fornece muitas informações sobre o interior da estrela e seu complexo campo magnético. ;O Sol ainda tem muito para ser estudado, e os eclipses totais são muito importantes para esse estudo;, diz.
Também professor do Departamento de Astronomia da USP, Enos Picazzio ressalta que há tecnologias que permitem cada vez mais aos estudiosos desvendarem os mistérios da astronomia simulando fenômenos raros. ;Atualmente, os telescópios solares espaciais observam o Sol 24 horas por dia, sem interferência atmosférica e sem necessidade de eclipse. Eles usam coronógrafos, um telescópio especial que simula o eclipse cobrindo o disco solar para expor a sua coroa.;
Olhos ao alto
O eclipse também será visto nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Devido à grande distância do caminho da totalidade, aqui, o fenômeno cobrirá apenas uma parte do Sol. Quanto mais ao norte, maior será a porcentagem do astro coberta. Apesar de um eclipse parcial não ter o mesmo impacto visual de um completo ; apenas nesse caso o céu escurece e a coroa fica visível ;, ele ainda fará com que muitos amantes da astronomia olhem para cima.
;Nós faremos a observação pública em um açude conhecido da nossa cidade, um local bem fotogênico e com campo aberto para observação;, conta Felipe Sérvulo, mestrando em cosmologia e membro da Associação Paraibana de Astronomia. Felipe e Irenaldo Alves, também astrônomo amador, organizaram um evento no qual vão disponibilizar dois telescópios refratores equipados para a observação do Sol, para que a população de Taperoá, na Paraíba, possa ver o eclipse de perto. ;É um fenômeno astronômico que causa admiração desde os primórdios. Para esse, é recomendável um local aberto, fora da cidade, pois o evento acontecerá próximo ao pôr do sol. Nosso intuito é transmitir às pessoas o conhecimento e o entendimento da astronomia e do universo como um todo;, afirma Irenaldo.
Em Boa Vista, o Clube de Astronomia de Roraima também organiza um evento de observação do eclipse. ;Nós levaremos alguns telescópios, que têm que ser preparados com filtros solares que filtram 99% da luz, e alguns óculos especiais;, diz Abreu Mubarac, presidente da entidade. ;Mesmo que seja um eclipse parcial, vale a pena ver. Esse é o evento mais esperado do ano, não podia passar despercebido.;
Iniciativas como essas trazem a astronomia para mais perto da população. Não é preciso ser cientista para apreciar um eclipse. ;A ideia surgiu bem antes de organizar esses eventos, uma vez que senti a necessidade de levar essas belezas do universo para o público e, ao mesmo tempo, popularizar a astronomia e disseminar a ciência. Esse é o objetivo do nosso projeto;, afirma Felipe.
Plataforma brasiliense
Os acadêmicos também não perderão a oportunidade. Um projeto brasiliense pretende ver o eclipse bem de perto. A iniciativa LAICAnSat-1, da Universidade de Brasília (UnB), prepara a missão Kuaray, que lançará uma plataforma de experimentos de alta altitude durante o eclipse, no caminho da totalidade. A plataforma será usada para gravar um vídeo de realidade virtual do fenômeno em 360 graus para ser exibido no Planetário de Brasília. ;Ela chegará próximo ao espaço, a um custo muito baixo;, diz Lorena Tameirão, mestranda em sistemas mecatrônicos e integrante do projeto.
Todos os sistemas eletrônicos foram desenvolvidos por alunos da UnB. A missão será lançada durante o eclipse na cidade de Rexburg, nos Estados Unidos, que verá a totalidade do fenômeno. ;Nós fizemos um experimento durante a Campus Party, exibimos um vídeo de um dos nossos voos, e o pessoal se interessou muito;, orgulha-se Lorena. ;Faremos o lançamento com a Universidade Estadual de Montana, e o objetivo é iniciar uma parceria com ela para aprimorar essas plataformas aqui.;
Perseguição supersônica
Em 1973, uma equipe de cientistas literalmente perseguiu um eclipse solar. Eles adaptaram um protótipo do avião supersônico Concorde com telescópios e equipamentos de observação. O avião acompanhou a totalidade por mais de 74 minutos, voando quase à mesma velocidade da sombra, a 2.100 quilômetros por hora.
* Estagiário sob a supervisão de Carmen Souza