Segundo a pesquisa, o aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera diminui a quantidade de nutrientes em diversas espécies de planta. A previsão dos investigadores é de que, em 2050, caia a quantidade de proteínas presente no arroz (em 7,6%), no trigo (7,8%), na cevada (14,1%) e nas batatas (6,4%). Como grande parte do mundo depende das fontes vegetais de proteínas, o estudo prevê também que as populações de 18 países perderão mais de 5% da quantidade do nutriente em suas dietas.
Apenas na Índia, 53 milhões de pessoas podem entrar em risco de deficiência proteica devido à emissão de poluentes. ;Em Bangladesh, por exemplo, as populações pobres tiram 75% da sua energia do arroz;, complementa Marie Ruel, diretora da Divisão de Pobreza, Saúde e Nutrição do Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar, o IFPRI. ;Quanto mais pobre o país, maior a proporção de energia consumida que é derivada de plantas;, complementa.
Causa desconhecida
Atualmente, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera está na casa das 400 partes por milhão. Até 2050, as projeções sugerem um aumento de 150 partes por milhão caso seja mantida a taxa atual de emissão do poluente. Um estudo publicado por Samuel Myers em 2014, na revista Nature, mostrou que a alta concentração de carbono na atmosfera diminui a quantidade de proteínas, ferro e zinco em vegetais cultivados.Samuel Myers é pesquisador no Departamento de Saúde Ambiental de Harvard e também um dos autores do estudo divulgado nesta semana. Ele e colegas repetiram os experimentos e confirmaram o impacto sobre as plantas. A pesquisa baseou-se em dados de experimentos de campo em que os vegetais foram expostos a altas concentrações de CO2. Informações nutricionais da Organização das Nações Unidas foram usadas para calcular o impacto dessa redução de proteínas nas pessoas vulneráveis.
Apesar da confirmação dos resultados, o que exatamente causa a perda de nutrientes nas plantas ainda não é conhecido. ;A resposta curta é que nós não sabemos, apesar de gastarmos muito tempo explorando isso;, diz Samuel Myers. ;Nós sabemos que é mais complicado do que uma simples diluição de nutrientes com carboidratos porque descobrimos que nutrientes diferentes mudaram em proporções diferentes.;
Mais vulneráveis
Segundo Marie Ruel, que não participou da pesquisa, dentro da população atingida, crianças e mulheres em idade reprodutiva são as mais vulneráveis. Os meninos e as meninas precisam de energia e nutrientes adicionais para crescer e se desenvolver, e as mulheres, de mais nutrientes quando estão grávidas ou amamentando. ;A desnutrição causa mortalidade infantil, infecções repetidas e atraso no desenvolvimento cognitivo e motor;, alerta a especialista.E os impactos da alimentação deficiente não se limitam aos indivíduos afetados. ;Crianças desnutridas se tornam adultos pouco desenvolvidos, com baixa escolaridade, habilidades cognitivas reduzidas, oportunidades de trabalho limitadas e, por consequência, com baixa renda, perpetuando a transmissão de desnutrição e pobreza entre as gerações;, ressalta Marie Ruel.
Para evitar o problema, o passo mais importante é investir na diminuição das emissões de carbono, mas Samuel Myers aponta algumas alternativas. ;Promover dietas mais variadas, fortificar biologicamente as plantações, suplementação de nutrientes e, possivelmente, criar plantas menos sensíveis ao gás carbônico;, lista o pesquisador. ;A maioria dessas intervenções já existe há um longo tempo, mas ainda temos bilhões de pessoas sofrendo de deficiências nutricionais. Então, não existe uma solução mágica.;
Marie Ruel chama a atenção também para a importância de se considerar as transformações nutricionais que as populações vêm conduzindo, incluindo as mais vulneráveis. ;Eu acho que esse é um estudo importante e que suas implicações são válidas de se mencionar nos debates de políticas contra a desnutrição. Porém, essas estimativas não levam em conta que as dietas mudam constantemente;, ressalta. ;Com o crescimento econômico e a urbanização, as pessoas tendem a ter mais renda, o que muda de forma importante suas dietas, inclusive com a redução da dependência de fontes vegetais de proteínas. Logo, apesar desse declínio nas proteínas em plantas ser preocupante, é provável que as estimativas do número de pessoas que sofrerão com isso estejam superestimadas.;
* Estagiário sob a supervisão de Carmen Souza