Participaram do experimento pessoas com dor crônica e tratadas em um hospital no Reino Unido. Metade dos voluntários participou por cinco semanas de sessões individuais de terapia cognitivo-comportamental. A outra parte foi submetida a um tratamento baseado em leitura compartilhada e com 22 semanas de duração. Nos encontros, havia pausas regulares, em que os participantes eram encorajados a refletir sobre o texto lido, discutindo sobre pensamentos e memórias gerados pela leitura e a relação do texto com o próprio cotidiano.
Na avaliação final, os cientistas observaram que os pacientes do primeiro grupo mostraram-se centrados apenas na dor que enfrentavam. Os participantes do grupo de leitura compartilhada foram além, conseguiram refletir sobre outras experiências de vida, como o trabalho e a infância. Ao terminar a fase de terapia cognitiva, o mesmo grupo foi encaminhado à atividade de leitura e também apresentou resultados mais positivos.
Para os pesquisadores, os efeitos da leitura compartilhada têm maior potencial terapêutico porque permitem uma recuperação ;por inteiro;, não apenas pela doença. ;As histórias contadas na leitura compartilhada muitas vezes não haviam sido mencionadas anteriormente, eram ;enterradas;. E quando histórias contadas na terapia comportamental eram repetidas na leitura, elas tendiam a ser compreendidas e contadas a partir de uma nova perspectiva, ajudando o paciente a alcançar um dos objetivos principais: a mudança da percepção em relação à dor;, detalha ao Correio Josie Billington, pesquisadora da Universidade de Liverpool e uma das autoras do estudo.
As diferenças nos resultados, conta Josie Billington, surpreenderam os investigadores. ;Quando os pacientes estão na terapia cognitivo-comportamental, eles são pessoas com dor. Quando estão no grupo de leitura, são pessoas com vida;, compara. A equipe acredita que a ficção e a poesia presente nos textos possam servir como ferramenta que estimula o prazer emocional esquecido pelos pacientes. Com essa ;alavanca;, eles se sentem mais dispostos a compartilhar os problemas, ligados ou não à dor.
;Uma descoberta inesperada poderosa foi a abertura para mudança, sendo mais visível e demonstrável na leitura compartilhada do que na terapia cognitivo-comportamental. A voluntariedade de contribuição de experiências durante a leitura também significou, crucialmente, que os participantes podiam lidar, à própria maneira, com questões difíceis. Eles não agiam de uma forma que parecesse esperar por um momento mais oportuno para falar;, detalha Josie Billington. ;Essa questão de tempo e prontidão para a mudança mostra a oportunidade que essa atividade oferece às pessoas de compartilhar e melhorar com isso.;
Sensibilidade trabalhada
Para Mauro Suzuki, neurocirurgião de cabeça do Hospital Santa Luzia, em Brasília, a pesquisa britânica traz uma opção que parece um auxiliar promissor contra a dor crônica. ;A terapia cognitivo-comportamental é um dos pilares para o tratamento dos pacientes, que precisam ser acompanhados por tratamentos não medicamentosos, atividades como fisioterapia, psicanálise, neuropsicologia. O hábito da leitura compartilhada pode ser mais uma dessas atividades que ajudam o paciente a encarar o processo de dor;, ressalta
Para o médico, a prática traz resultados positivos porque interfere em diversos sensores do organismo. ;Ela ativa vias como a audição, a visão e até o tato, usado para folhear as folhas do livro. Essa ideia de estimular as vias de sensibilidade também ajuda o corpo a não sentir dor, além da possibilidade de discutir o que você acabou de ler, o que ajuda na comunicação e na expressão das emoções;, explica.
Josie Billington também acredita na complementariedade das práticas. ;O encorajamento de maior confrontação e tolerância da dificuldade emocional que a leitura compartilhada fornece a torna um acompanhamento de longo prazo ou um complemento à terapia cognitivo-comportamental extremamente valioso;, defende. Ela e os colegas pretendem dar continuidade ao trabalho, se aprofundando nos efeitos da leitura. ;Queremos considerar até que ponto a leitura compartilhada pode afetar o cérebro de pacientes com dor crônica. Queremos saber como o córtex pré-frontal (associado à identidade, à consciência emocional e ao processamento) se comporta nessas pessoas. Gostaríamos de examinar também (o que acontece) antes e depois de sessões de leitura individuais e a exposição à leitura compartilhada por um período prolongado, de três a seis a seis meses;, adianta autora do estudo.
Para Mauro Suzuki, o estudo inglês traz uma mensagem importante ao ressaltar o quanto a leitura pode trazer benefícios à saúde. ;A mensagem principal é que a leitura tem um efeito analgésico, relacionado à qualidade do sono e à prevenção de doenças. Essa é uma prática que pode ajudar diversos tratamentos, não só a dor crônica, mas também enfermidades como a depressão;, ressalta o médico.
Quando os pacientes estão na terapia cognitivo-comportamental, eles são pessoas com dor. Quando estão no grupo de leitura, são pessoas com vida;
Josie Billington, pesquisadorada Universidade de Liverpool e uma das autoras do estudo