Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Em artigo, pesquisadores apontam dificuldade em prever novos surtos de zika

Segundo o pesquisador, para que não ocorram novos surtos é fundamental que haja um sistema de vigilância bem aprimorado logo no início dos casos

;O que acontece é que nós não temos nenhum histórico, em nenhuma parte do mundo, de uma epidemia com essa magnitude e com essas dimensões enfrentadas em 2015 e 2016. O Zika é um vírus que foi introduzido bem antes [desses anos], mas cujas consequências se deram em 2015;, explicou o pesquisador Wanderson Kleber de Oliveira, um dos autores do estudo e ex-coordenador-geral de Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde Pública do Ministério da Saúde.

;Embora todas as nossas descobertas, juntamente com a literatura científica, apoiem a hipótese de que a infecção por zika vírus durante a gravidez causa microcefalia, nós não sabemos as razões da ampla gama de picos mensais de microcefalia ao longo do tempo e em regiões após os surtos do zika vírus;, diz trecho do estudo. Possíveis explicações, segundo os pesquisadores, seriam a intensidade do surto, a interferência de cofatores e ações de saúde pública implementadas para evitar a exposição de grávidas ao mosquito.

Hoje vinculado ao Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Oliveira afirma que os brasileiros ainda vivem o ;espectro clínico do Zika;. ;Tivemos picos dessa doença no Brasil, seguidos por manifestações neurológicas, e hoje temos síndromes neurológicas, congênitas.;


Novos surtos


Assim como ocorre com outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, é possível, segundo o pesquisador, que haja novos surtos localizados de zika, principalmente em regiões não afetadas pela epidemia anterior. ;Baseados nas experiências e no estudo de outras arboviroses ; doenças transmitidas por mosquitos ;, pensamos que outras regiões não afetadas vão apresentar surtos localizados e é fundamental que haja um sistema de vigilância bem aprimorado logo no início dos casos;, destacou Oliveira.

Segundo o pesquisador, que a semelhança entre os vírus da dengue e o da zika é um entrave para o combate à doença, porque torna necessário um teste que caracterize a infecção em um período mais longo. No entanto, Oliveira destaca avanços nas pesquisas sobre o tema como o uso da bactéria Wolbachia na inibição do vírus Zika e a criação de testes laboratoriais específicos, como o sorológico, para detecção da doença.

;Sorológico e vacina são os principais instrumentos. O ministério [da Saúde] está desenvolvendo a vacina e a esperança é de que possa ser utilizada nos próximos anos. Tivemos uma redução importante da circulação [do vírus Zika], mas não sabemos se irá apresentar características sazonais, se virá, por exemplo, de dois em dois anos. É importante ter ações de controle e prevenção, como o uso de repelentes, roupas mais compridas, iniciativas mais baratas, acessíveis e que possam ser adotadas por todas as pessoas;, listou Oliveira.

No dia 11 de maio, o Ministério da Saúde declarou o fim da emergência nacional pelo vírus Zika, após queda de 95,3% dos casos em abril, em relação ao mesmo mês de 2016. A decisão ocorreu 18 meses após o decreto do estado de emergência.

O estudo

Para o artigo Infection-related microcephaly after the 2015 and 2016 Zika virus outbreaks in Brazil: a surveillance-based analysis (Microcefalia relacionada à infecção após os surtos do vírus Zika 2015 e 2016 no Brasil: uma análise baseada em vigilância, em tradução livre), os autores utilizaram dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) sobre doenças transmitidas pelo Aedes aegypti coletados de 1; de janeiro de 2015 a 12 de novembro de 2016. Apenas 6% (309.783) das cerca de 8,5 milhões de notificações no período corresponderam ao vírus Zika. Do total, 87,4% (4.497.133) eram de dengue e 6,6% (339.880), de chikungunya.

Os pesquisadores identificaram duas ondas do contágio por Zika durante a gravidez: ambas ocorridas em fases chuvosas e de alta umidade, que favorecem a reprodução do Aedes aegypti.

A primeira teria sido caracterizada pela multiplicação de casos no Nordeste. Os pesquisadores argumentam que, embora a segunda onda tenha sido amplamente documentada em todas as regiões do Brasil, não há a confirmação da microcefalia relacionada à infecção, exceto por um pequeno aumento de casos no Centro-Oeste.

O Nordeste foi a única região a atingir um pico mensal maior do que o nível endêmico de microcefalia determinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,5 a 20 casos a cada 10 mil recém-nascidos. A região registrou 48 casos a cada 10 mil nascimentos no auge da epidemia.

;A questão sobre o que ocasionou a aparente diferença no risco da microcefalia após o surto inicial do zika vírus no Nordeste do Brasil versus os surtos seguintes no país e em outros locais exige que se aguardem resultados de pesquisas futuras;, concluiu a equipe.