Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Esferas radioativas reduzem tumor primário no fígado

Startup australiana que desenvolveu a radioembolização com resinas microsféricas, que reduziu tamanho dos tumores

Chicago ; Terceiro tipo de câncer que mais mata no mundo, o tumor primário de fígado ainda é um desafio para a medicina, porque as escassas opções de tratamento são consideradas pouco eficazes. Atualmente, as principais linhas de pesquisa se concentram em terapia gênica com vírus, novas substâncias de terapia-alvo e na radioembolização.

Essa última é um tipo de radioterapia que, diferentemente da convencional, é aplicada internamente e seleciona as células doentes, não danificando os tecidos saudáveis do órgão. A tecnologia foi aprovada no Brasil, na Argentina, na Austrália, nos Estados Unidos, no Canadá, na União Europeia e em alguns países asiáticos para o tratamento de tumores inoperáveis.

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Na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), que aconteceu neste mês, a Sirtex ; startup australiana que desenvolveu a radioembolização com resinas microsféricas ; apresentou o resultado de um estudo que testou a tecnologia em pacientes de hepatocarcinoma, o tipo de câncer de fígado mais comum. Também foram divulgadas pesquisas que investigaram pessoas com outros cânceres primários, com evolução para metástase hepática.


O objetivo principal dos testes ; aumento de sobrevida ; não foi alcançado. Contudo, houve redução no tamanho dos tumores. No caso de um subgrupo de pacientes com câncer colorretal do lado direito do intestino e metástase hepática, a taxa de sobrevivência foi maior, mas o estudo completo sobre será relatado em um artigo científico ainda não publicado.

Também conhecida como radioterapia interna seletiva (SIRT), na radioembolização, o cirurgião insere um cateter na artéria hepática. Nessa veia, são injetados milhões de microesferas radioativas, que chegam até o câncer, sem afetar os tecidos saudáveis.

Estágio avançado


;Quando o hepatocarcinoma é descoberto em estágio inicial, os tratamentos disponíveis costumam ser bons. Infelizmente, a maioria dos pacientes já apresenta o câncer em estágio muito avançado. O tumor é grande e não podemos considerar a cirurgia;, diz Pierce Chow, cirurgião do Centro Nacional de Câncer de Cingapura. O médico, que também atua no Hospital Geral de Cingapura, liderou o estudo SIRveNIB, que avaliou a eficácia da radioembolização em 360 pacientes de hepatocarcinoma avançado, recrutados em 11 países asiáticos. O perfil foi heterogêneo: 41,4% tinham metástases, desenvolvidas fora do fígado, enquanto que o restante apresentava doença localizada.

[SAIBAMAIS]

Os participantes foram divididos em dois grupos: 182 submetidos apenas à radioembolização; e 178, que receberam a quimioterapia oral sorafenibe, o tratamento padrão para a doença. No fim, a sobrevida foi semelhante ; 11,3 meses, no caso dos tratados com a radiação; e 10,4 meses, entre os pacientes que usaram os quimioterápicos. Segundo Chow, a diferença estatística é insignificante. Porém, nos 58,6% dos participantes com tumor avançado localizado (sem metástases), a taxa de resposta foi melhor: 23,1% dos tratados com as microesferas tiveram redução ou desaparecimento total do tumor, contra 1,9% no outro grupo. ;Uma vez que o tumor responde, a ressecção cirúrgica se torna uma opção;, lembra o médico.


Os efeitos colaterais severos também foram menores nos pacientes tratados com radioembolização: 27,7%, contra 50,6%, registrados entre aqueles que fizeram a quimioterapia. ;O sucesso de um tratamento depende de como você olha para ele. Do ponto de vista do paciente, vale a pena. Quando não se tem cura, a qualidade de vida é o que importa. Por isso, considero positivo esse resultado;, avalia a escritora norte-americana Andrea J. Wilson, fundadora da organização não governamental Blue Faery, de defesa dos pacientes de câncer hepático. A irmã mais nova dela, Arienne, morreu aos 15 anos, em 2001, de hepatocarcinoma e, desde então, a escritora apoia pesquisas que têm esse tipo de tumor como alvo.


Para o oncologista brasileiro Lucas dos Santos, da BP ; A Beneficência Portuguesa de São Paulo, que acompanhou o congresso da Asco, o fato de o estudo SIRveNIB não ter apresentado ganho na sobrevida dos pacientes não deve ser encarado como fracasso. ;Não foi um resultado decepcionante porque hoje é bem difícil demonstrar ganho de sobrevida global em tratamentos de primeira linha;, observa. Primeira linha é a terapia padrão, utilizada como opção inicial para os pacientes.


De acordo com ele, os resultados do trabalho indicam que um grupo de pessoas pode ser beneficiada: aquelas que têm a doença avançada, mas sem metástases em outros órgãos. ;O controle da doença fica melhor. Me parece uma boa estratégia de tratamento para o paciente para o qual já se esgotou tudo;, observa. A BP é um dos centros brasileiros que utilizam essa terapia. Os demais são o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, e o Hospital Sírio-Libanês, também na capital paulista. O médico acredita que o desenho do estudo pode ter desfavorecido o resultado em termos de sobrevida. Isso porque quase metade dos participantes tinha o câncer metastático, com tumores, inclusive, em outros órgãos.

Metástase

Um outro estudo que comparou a radioembolização com o tratamento padrão mostrou que, nos pacientes de câncer colorretal com metástase hepática, a tecnologia pode retardar o tempo que o tumor leva para crescer. Por outro lado, assim como aconteceu com o hepatocarcinoma, não houve impacto na sobrevivência global.
Apresentado no congresso da Asco, a Análise Combinada Foxfire foi conduzida por Ricky A. Sharma, chefe de Radiação Oncológica da Universidade College London, e envolveu 1.103 pacientes. Eles foram divididos aleatoriamente em grupos que fizeram a radioterapia interna seletiva (SIRT), em combinação com a quimioterapia de primeira linha para câncer colorretal com metástase hepática, ou que receberam apenas a quimio. A análise incluiu dados de três estudos ; Sirflox, Foxfire e Foxfire-Global.
O câncer de fígado metastático é diferente do primário. Nesse caso, o tumor se desenvolveu em um determinado órgão, e depois se espalhou para o tecido hepático. Por isso, as características das células doentes serão iguais às do local onde ele formou.

Os estudos que englobam a Análise Combinada Foxfire incluíram pessoas cujo câncer principal era o colorretal, que é tratável e curável quando detectado precocemente, mas que se agrava quando invade outras partes do corpo. Bastante prevalente e associado à alimentação, esse é o terceiro tipo de câncer mais comum no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), com 34.280 novos casos ao ano, no país. ;Descobrir tratamentos mais efetivos é uma questão crítica para os pacientes;, observa Sharma.

Metodologia


Os participantes da análise combinada tinham sido diagnosticados com câncer colorretal não operável, com metástase tanto no fígado apenas, quanto em outros locais, como pulmões e em linfonodos. Quase todos já apresentavam tumor secundário na época em que descobriram o câncer colorretal. A sobrevida foi semelhante entre o grupo da radioembolização com quimioterapia e o da quimioterapia sozinha, assim como no tempo livre de progressão da doença.


Contudo, considerando apenas os estudos do Foxfire e do Foxfire Global, que envolveram 516 pacientes, aqueles que fizeram o SIRT mais o tratamento padrão passaram mais tempo sem que o câncer progredisse no fígado, comparados aos que só utilizaram a quimioterapia. ;A maior parte dos pacientes morre porque o fígado se torna insuficiente. Quando um tratamento consegue botar o tumor para dormir ou eventualmente até reduz as lesões, isso é positivo;, avalia Renata D;Alpino, oncologista especializada no trato gastrointestinal do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo, que acompanhou o encontro da Asco.


Para a especialista, que utilizou a técnica no Canadá e no Brasil, a metodologia do estudo pode ter prejudicado os resultados e, se a análise tivesse incluído apenas pessoas com metástase no fígado, é possível que houvesse algum ganho de sobrevida. ;A minha interpretação pessoal é que o fato de a análise incluir 35% de pacientes que tinham doenças fora do fígado, como pulmão e peritônio, além de que metade dos participantes ainda tinha tumor primário no intestino, podem ter mascarado o tempo de ganho de vida;, diz.


O oncologista do Hospital Albert Einstein Rene Claudio Gansl, que também esteve no encontro da Asco, destaca que a radioembolização deve ser indicada para um grupo específico de pessoas que têm melhores chances de se beneficiar. ;Na minha opinião, para o paciente com metástase hepática que terá uma sobrevida curta por causa dela, a radioembolização tem indicação de retardar a progressão da doença no fígado, e a morte do paciente. É um grupo selecionado; não pode ser usado para todo mundo;, diz.
Os custos do procedimento ultrapassam R$ 100 mil e, como ele não consta no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde (ANS), os planos se negam a pagá-lo. Contudo, pacientes têm conseguido na Justiça a cobertura pelos convênios.

Mais chances e cirurgia

A combinação dos três estudos também mostrou que, no caso de pacientes cujo câncer colorretal com metástase hepática localiza-se no lado direito do intestino, há um ganho de sobrevida de 4,9 meses, com redução do risco de morte de 36%, no regime do SIRT combinado com quimioterapia. O detalhamento desse resultado será apresentado no Congresso Mundial da Sociedade Europeia de Oncologia Médica, que acontece entre 28 de junho e 1; de julho, na Espanha.


O oncologista do Hospital Albert Einstein Rene Claudio Gansl, que também esteve no encontro da Asco, explica que o câncer de intestino não é uma única doença. ;Há dois anos, a gente descobriu que o câncer de intestino do lado direito é muito diferente do que o que atinge o lado esquerdo. Quando se espalha, é uma doença muito ruim, a pessoa vive muito menos tempo;, diz.


De acordo com Gansl, a explicação está em diferenças genômicas e moleculares dessas duas partes do órgão, que, inclusive, têm funções diversas. Para Renata D;Alpino, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o ganho de sobrevida observado no estudo pode ser pelo fato de a doença instalada no lado direito não ter, por enquanto, muitas alternativas de intervenções. ;O lado direito tem pouca opção; por isso, a pessoa vai melhorar. Mas os dados ainda são preliminares;, diz.


No congresso da Asco, também foi apresentado um pôster sobre a radioembolização, mostrando que, nos pacientes com metástase hepática e câncer colorretal primário, a combinação da técnica com a quimioterapia padrão aumenta as chances de se operar os tumores no fígado que, até então, não eram ressecáveis, devido ao tamanho. O trabalho, que incluiu 472 pessoas, mostrou que, entre as submetidas ao SIRT e ao medicamento, 38,1% puderam operar o câncer hepático metastático, contra 28,9% dos pacientes que fizeram apenas quimioterapia. (PO)

A repórter viajou à convite da Sirtex