Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Obesidade e baixo peso podem estar ligados à enxaqueca, indica estudo

Segundo os investigadores, moléculas liberadas pelo tecido adiposo influenciariam na complicação neurológica

Estar fora da faixa de normalidade do índice de massa corporal (IMC) pode aumentar o risco de enfrentar crises de enxaqueca. É o que mostra um estudo realizado por cientistas dos Estados Unidos divulgado na edição desta semana da revista Neurology. Os pesquisadores analisaram dados de quase 290 mil pessoas e encontraram níveis maiores de ocorrência da cefaleia crônica em indivíduos obesos e com baixo peso. Para os autores, os dados podem ajudar a entender melhor como ocorre a enfermidade neurológica e encontrar maneiras mais eficazes de tratá-la.


A relação entre o peso e a enxaqueca foi explorada em outras análises, mas usando padrões mais específicos de pacientes. A equipe norte-americana resolveu fazer uma revisão científica desses trabalhos tentando fazer uma análise mais abrangente da questão. ;Para validar e corroborar que o risco de enxaqueca é maior em pessoas com obesidade e que estão abaixo do peso, usamos todos os estudos cujos métodos nos permitiram usar dados consistentes, com categorias usadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que também foram relacionados com padrões de idade e sexo para que fossem mais consistentes;, conta ao Correio Lee Peterlin, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins e autor principal do estudo.

Os cientistas analisaram 12 estudos, com informações sobre 288.981 participantes. Descobriram que, se comparadas a pessoas com peso normal, as obesas apresentam probabilidade de ter enxaqueca 27% maior. Já indivíduos com baixo peso são 13% mais propensos a enfrentar as crises. ;Usamos o IMC para essa determinação. Os obesos, por exemplo, têm índice 30 ou maior. Quem está com baixo peso apresenta IMC menor que 18,5. A faixa da normalidade vai de 18,5 a 24,9;, explica Peterlin.



Segundo o investigador, ainda não é possível esclarecer como se dá essa relação entre as duas complicações de saúde, mas a equipe tem algumas suspeitas. Eles explicam que o tecido adiposo secreta uma variedade de moléculas de sinalização bioativas, como adipocitocinas, citocinas pró-inflamatórias e hormônios sexuais, entre outras. Com alterações na composição corporal ; aumento e diminuição desse tecido ;, a produção e a secreção dessas moléculas pode provocar mudanças que influenciam no surgimento da cefaleia.

;Dados anteriores mostram que várias dessas moléculas relacionadas com a obesidade estão alteradas em pessoas que sofrem de enxaqueca. Por exemplo, quando a enxaqueca ocorre com dores não tão fortes, nota-se a presença da adiponectina e resistina e, durante a dor aguda, estão presentes em maiores níveis a adiponectina e a interleucina 6;, ilustra Perterlin. ;Além disso, dados recentes em pesquisas com animais demonstraram que a obesidade está associada a uma resposta trigeminovascular, ou seja, à ocorrência da enxaqueca.;

Os autores não descartam a interferência de outros fatores, incluindo questões comportamentais. ;Também é possível que outras condições, como alterações na atividade física, a ingestão de medicamentos, a presença de comorbidades, a depressão, por exemplo, e de outras condições médicas contribuam para a relação entre enxaqueca e obesidade e baixo peso;, diz Perterlin.

Suspeita médica

Para Pedro Kowacs, neurologista do Hospital das Clínicas do Paraná, o estudo dá validade a suspeitas que existem nos consultórios. ;A obesidade já é considerada um fator de risco para pessoas que possuem crises mais fortes de enxaqueca, o que pode ser provocado também devido ao ronco. Por exemplo, a apneia é frequente em pessoas com sobrepeso e pode agravar a cefaleia;, explica. O médico, que não participou do estudo, também chama a atenção para a influência do aumento da pressão arterial e dos jejuns. ;Mudanças corporais como essas provocam alterações que podem desencadear a enxaqueca. É importante frisar ainda que esse é um fenômeno transcultural, ou seja, que pode ocorrer em qualquer ambiente.;

Kowacs avalia que a possibilidade de novos tratamentos surgirem com base em estudos científicos como o americano é real e positiva. ;A cada dado que encontramos e validamos, podemos ter novas pistas que nos ajudem a entender melhor a doença. Mas é importante frisar também a importância de procurar um especialista da área caso você sofra com enxaqueca. Muitos mitos são difundidos sobre o tratamento desse problema de saúde e, por isso, é necessário ter cuidado;, frisa.

Os autores continuam investigando a relação entre peso e enxaqueca em busca de mais dados que possam confirmar as suspeitas iniciais. ;Minha equipe está procurando ativamente diferenças nos depósitos de tecido adiposo profundo e superficial entre pessoas com e sem enxaqueca;, conta Peterlin. ;Realizaremos também um trabalho adicional avaliando como lipídios e proteínas relacionadas à obesidade são alterados durante a enxaqueca aguda, em comparação à cefaleia menos grave. Queremos também avaliar essas moléculas específicas relacionadas à obesidade para saber como usá-las em tratamentos para esse problema de saúde.;

Palavra de especialista

Além do preenchimento
;Os autores desse estudo deixam claro que mais pesquisas são necessárias, já que ainda não foi possível identificar o que estabelece a relação entre enxaqueca e ganho ou perda de peso. A análise do tecido adiposo pode ajudar a entender melhor essa relação. De uns tempos para cá, temos enxergado esse tecido como um órgão com uma função endócrina importante, por causa da produção das substâncias inflamatórias e também dos hormônios. Sabemos que os hormônio sexuais, por exemplo, estão ligados ao nível de colesterol, pessoas com colesterol baixo apresentam mais chances de ter demência. Hoje, vemos que o tecido adiposo não é só ligado ao preenchimento. Outro ponto que mostra isso é o caso de algumas pessoas que sofriam com excesso de peso e, depois de passarem pela cirurgia bariátrica, apresentam uma série de problemas de saúde, até emocionais. Entender melhor esse elemento ajudaria a esclarecer diversas alterações do organismo ligadas ao peso;

Amauri Araújo Godinho, neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia