Apesar de representantes das indústrias de produtos cujos rótulos indicavam presença de chumbo terem relutado a admitir, não demorou para que se acumulassem evidências científicas sobre os males neurológicos provocados pela exposição ao metal pesado. Na década de 1970, ele foi banido das tintas e, nos Estados Unidos, desde 1986, está fora dos combustíveis. No Brasil, uma lei promulgada em 2008 determinou a concentração máxima da substância em 0,06% para tintas de uso escolar e imobiliárias, além de vernizes e materiais similares de revestimento de superfícies. Desde 1989, o país proíbe adição de chumbo no combustível.
Agora, pesquisadores norte-americanos mostram que a longa exposição à substância deixa marcas deletérias de longa duração. Em um estudo com adultos nascidos na Nova Zelândia, em 1970, eles descobriram que aqueles que cresceram próximos a postos de gasolina tinham coeficiente de inteligência (QI) mais baixo, assim como empregos piores ao chegar aos 38 anos. O país da Oceania tinha, há quatro décadas, as maiores concentrações mundiais de chumbo em combustíveis. O artigo foi publicado na revista Jama, da Associação Médica Norte-Americana.
A pesquisa evidenciou que, quanto maior a concentração de chumbo no sangue dos participantes quando crianças, mais pontos de QI perdidos na idade adulta. As pessoas envolvidas no estudo fazem parte de uma investigação de longa duração da cidade de Dunedin, que acompanha registros médicos de mais de 1 mil indivíduos nascidos entre 1972 e 1973. Do nascimento à idade adulta, eles passaram por testes cognitivos regulares, incluindo o desempenho de memória e de raciocínio lógico. Aos 11 anos, foram tiradas amostras de sangue de 565 crianças, com exames específicos para chumbo.
Os participantes com mais de 10mg de chumbo por decilitro de sangue aos 11 anos tiveram, em média, 4,25 pontos de QI a menos quando tinham 38 anos, comparando aos menos expostos à substância na infância. Além disso, essas pessoas pontuaram menos ainda do que o próprio desempenho nos testes realizados quando crianças. A cada 5mg de chumbo a mais no sangue, houve uma perda de 1,5 ponto de QI.
O estudo também comparou a mobilidade social ao longo do tempo e constatou que os indivíduos com mais de 10mg de chumbo tinham empregos com perfil socioeconômico mais baixo que aqueles menos expostos à substância. ;Ter um emprego pior é um reflexo da perda de QI e uma mostra de que os deficits cognitivos associados ao chumbo persistem por década;, diz Aaron Reuben, estudante de psicologia da Universidade de Duke e principal autor do trabalho.
Robustez científica
O diretor científico da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer, Otavio Castello, diz que esse é o primeiro estudo de longo prazo que mostra que crianças que estiveram mais expostas ao chumbo apresentaram desenvolvimento cognitivo mais baixo. ;Geralmente, quando se faz um estudo que observa a posteriori, não se tem uma conclusão de causa e efeito. Embora esse seja um estudo do tipo, ele separou as pessoas lá atrás e as acompanhou. Por isso, tem robustez para fazer essa associação de causa e efeito;, avalia o especialista em neuropsiquiatria.Terrie Moffitt, autora sênior e professora da Universidade de Duke, lembra que as pessoas que participaram do estudo não receberam nenhuma intervenção precoce para aliviar os efeitos do chumbo no organismo. ;Naquela época, os níveis de chumbo eram vistos como normais em crianças e não eram considerados perigosos, por isso, mesmo quando se detectou a circulação do mental no sangue dessas crianças, nada foi feito;, explica.
Em comparação, ela cita o caso recente de Flint, nos EUA, onde houve ampla intervenção governamental. Há três anos, a água distribuída para a cidade foi contaminada por chumbo. ;Então, os agentes de saúde ofereceram serviços comportamentais, educativos e de nutrição, com o apoio federal, para minimizar os impactos cognitivos da substância;, conta.
Ter um emprego pior é um reflexo da perda de QI e uma mostra de que os deficits cognitivos associados ao chumbo persistem por década;
Aaron Reuben,, principal autor do estudo