Tudo começou em um barracão, onde notáveis de bigodinhos arrebitados, cartola e óculos no modelo pince-nez se reuniam semanalmente para discutir as novidades da medicina e das ;sciencias naturaes;. Os periódicos, trazidos da Europa nos modernos vapores, eram devorados pelo grupo de estudiosos liderados por Oswaldo Cruz e armazenados no espaço improvisado. Quem diria que esse seria o embrião de um dos mais ricos acervos brasileiros, guardião da memória científica nacional, e que, um dia, o material folheado por esses senhores estaria a um clique de qualquer pessoa.
Há um mês, foi inaugurado o site do Acervo Digital de Obras Raras e Especiais da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Lá (www.obrasraras.fiocruz.br),é possível consultar e baixar itens que integram a Seção de Obras Raras Assuerus Ovemeer da Biblioteca de Manguinhos, que funciona desde 1918 no Castelo Mourisco. Idealizada na década de 1980, a seção tem cerca de 70 mil volumes de ciências biológicas, incluindo livros, periódicos, iconografias, teses e manuscritos.
Até hoje, esse tesouro estava restrito a quem podia se deslocar ao Rio de Janeiro e manusear as obras ; algumas delas do século 17. Com o início da digitalização do acervo, a ideia é que qualquer um possa acessá-las. O trabalho está apenas começando e, por enquanto, há 171 itens prontos para consulta. Entre eles, o icônico Historia Naturalis Brasiliae, de 1648, o primeiro grande tratado de história natural do país. Na coleção de periódicos do site, há, entre outras preciosidades, 66 exemplares do jornal médico mais procurado da Seção de Obras Raras Assuerus Ovemeer: o Brazil Medico, publicado entre 1887 e 1971.
O designer Mauro Campello, um dos coordenadores do projeto, conta que a ideia de levar as obras raras para a internet começou em 2011, quando foi lançado o antigo site do Laboratório de Digitalização do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fiocruz. ;O que nos inspirou foi a riqueza da nossa biblioteca. Lá, tem obras de 1600 e precisávamos fazer alguma coisa para preservá-las;, conta. ;Mas esse primeiro projeto, que tinha 12 obras, era estático. Não tinha como fazer buscas, por exemplo;, explica.
O acervo digital ganhou corpo quando saiu um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o Preservo, um grande projeto de preservação da memória da Fiocruz que contempla várias unidades da fundação. ;Nós recebemos parte da verba e, no lugar do site do laboratório, construímos o site das obras raras e especiais do Assuerus Ovemeer;, diz Campello. O lançamento foi feito na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, no fim de outubro.