Foi, aliás, uma dupla de primatólogos que propôs, pela primeira vez, a chamada Teoria da Mente, que trata dessa habilidade. Em 1978, os norte-americanos David Premack e Guy Woodruff publicaram um célebre artigo na revista Behavioral and Brain Sciences, com o título O chimpanzé tem uma teoria da mente? No trabalho, eles explicam que ;um indivíduo tem uma teoria da mente se ele imputa estados mentais a ele mesmo e a outros;. Para ser considerado um intérprete mental, observaram os cientistas, o macaco teria de inferir ;intenções, assim como conhecimento, crença, pensamento, dúvida, adivinhação, mentiras, gostos e por aí vai; de outros animais, inclusive o ser humano. E, para isso, deveria ser empático, até mesmo em relação a outras espécies.
Em seus experimentos, Premack constatou que os chimpanzés fazem analogias, montam faces humanas de brinquedo (eles conseguem posicionar corretamente os lugares de olhos, boca, nariz e orelha) e exibem comportamentos simbólicos. Isso revolucionou a forma como a ciência encarou o mais próximo parente do homem na natureza, mas não respondeu a pergunta que intitula o artigo. Nas últimas décadas, enquanto filósofos, psicólogos e neurocientistas debatiam a teoria da mente entre primatas não humanos, o trabalho de Premack e Woodruff enriqueceu estudos de várias áreas, incluindo investigações sobre transtornos de espectro autista, que têm uma forte relação com a falta de empatia.
Vídeos
Agora, pesquisadores da Universidade de Duke, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e da Universidade de Kyoto voltaram à questão inicial ; e ainda aberta ; da dupla de cientistas. Para estudar a teoria da mente em primatas não humanos, eles desenvolveram uma série de experimentos que, no fim, sugeriam a habilidade de chimpanzés, orangotangos e bonobos de compreenderem desejos, conhecimentos e outros estados mentais no homem. Por outro lado, os macacos não demonstraram capacidade de distinguir realidade e fantasia no pensamento humano, um indicativo de que, diferentemente do Homo sapiens, eles não separam o mundo real do mental.
O principal teste consistiu em exibir cenas gravadas em vídeo para bonobos, orangotangos e chimpanzés. Em uma das sequências, uma pessoa vestida de King Kong roubava uma pedra de um ator e depois a escondia em uma de duas caixas presentes no local. Quando o homem saía de cena, o King Kong o despistava, tirando a pedra de uma caixa e a escondendo na outra ou fugindo com a pedra, deixando os dois esconderijos vazios. Em outras situações, o homem via toda a ação, ou seja, observava quando a pedra era trocada de lugar, não sendo, assim, enganado.
;Isso servia para mostrar aos primatas que o objeto podia ser escondido em qualquer uma das duas localizações e que, quando sabia em qual delas ele estava, por ter observado o King Kong o escondendo, o homem procuraria no lugar certo. Mas, quando não sabia, tenderia a procurá-la no errado;, explica Michael Tomasello, neurocientista de Duke e um dos autores do trabalho. Todos os dias, os primatas assistiam aos filmes e, de acordo com os pesquisadores, pareciam gostar bastante da atividade.
Olhar
De acordo com Tomasello, estudos anteriores mostraram que o movimento dos olhos é um indicativo da capacidade dos primatas (inclusive do homem) de prever ações. Para monitorar isso nos macacos, os cientistas instalaram um rastreador infravermelho não invasivo no recinto onde os animais estavam. O equipamento indicava para qual parte do vídeo ; o homem, o King Kong ou uma das caixas ; os primatas estavam olhando.
Nas situações em que as duas caixas estavam vazias quando o ator voltava à cena, os olhos de 17 dos 22 animais participantes se fixavam na caixa em que o homem tinha visto o King Kong esconder a pedra. Os primatas sabiam que não havia pedra ali, já que o falso gorila havia levado o objeto com ele, mas conseguiam prever que, por ter visto o objeto ser colocado em uma das caixas, o homem a procuraria lá. Em crianças, testes semelhantes mostram que essa capacidade se desenvolve por volta dos 4 anos de idade.
Para o especialista em comportamento animal Frans Waal, da Universidade de Emory, em Atlanta, o trabalho é um ;avanço genuíno;, porque destaca uma conexão mental entre grandes primatas e humanos. ;A teoria da mente provavelmente evoluiu em sociedades complexas;, escreve em uma análise sobre o trabalho publicada na Science. ;Os resultados (do estudo) contêm uma lição para aqueles que acreditam que as capacidades mentais são uma prova da distinção humana. Temos sempre de nos manter abertos sobre as capacidades de espécies não humanas;, afirma.
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