O tecido mais mineralizado do corpo humano está na boca. Trata-se do esmalte, a camada externa do dente. Acredita-se que sua composição tenha cerca de 90% de minerais, como zinco e cobre, e 10% de água e materiais orgânicos. A constituição firme, no entanto, não assusta as bactérias, que rompem esse escudo e causam as cáries. Entender detalhadamente essa proteção natural ajuda a combater a doença crônica e de alta incidência, acreditam especialistas. Na edição de hoje da revista Science Advances, uma equipe da Austrália avança nesse sentido: eles fizeram uma espécie de mapeamento atômico do esmalte dentário, mostrando como ele se comporta.
;A estrutura do esmalte dentário humano é extremamente complexa e, ao mesmo tempo, sabemos que íons de magnésio, carbonato e fluoreto influenciam nas propriedades dele. Os cientistas nunca conseguiram capturar a estrutura do esmalte em uma resolução alta o suficiente ou definição;, conta Julie Cairney, professora da Faculdade de Engenharia e Tecnologias de Informação da Universidade de Sydney e participante da pesquisa.
Segundo a equipe, o esmalte é constituído por hastes de minerais cristalinos que se entrelaçam. Os espaços entre essas hastes são embalados por fosfato de cálcio amorfo (ACP), um composto orgânico vítreo presente desde a formação do tecido dentário, quando íons inorgânicos incorporam em sua estrutura, processo chamado de mineralização. Remineralizar regiões de ACP danificadas poderia, portanto, ser uma forma de restaurar o esmalte do dente. Falta, porém, identificar e compreender os íons que contribuem para o processo inicial, a mineralização. ;Os profissionais de odontologia sabem que certos íons de rastreamento são importantes na estrutura dura do esmalte dos dentes, mas, até agora, tinha sido impossível mapear esses íons em detalhe;, diz Cairney.
A equipe cortou um molar humano e usou laser para fotografar a composição atômica do dente, uma espécie de tomografia em nanoescala. Com a técnica avançada, identificaram cerca de 400 milhões de átomos na camada do esmalte e observaram a forma como eles estavam distribuídos. Descobriu-se, por exemplo, que as regiões com ACP são ricas em íons de magnésio, o que, segundo os autores, indica a importância desse elemento no processo de mineralização e na formação do esmalte.
;O que temos encontrado são as regiões ricas em magnésio entre os nanobastões que compõem o esmalte. Isso significa que temos a primeira evidência direta da existência de uma fase rica em magnésio amorfo (sem forma definida) rica em cálcio que desempenha um papel essencial para regular o comportamento dos dentes;, detalhou Cairney. O trabalho resultou em um inédito mapa tridimensional das posições de átomos no dente, incluindo aqueles ligados à cárie.
Distribuição desigual
Alexandre La Fontaine, coautor do estudo e professor do Centro de Microscopia e Microanálise da universidade australiana, conta que eles também detectaram, em uma análise de nanoescala, aglomerados de material orgânico no esmalte do molar.
Segundo ele, essa característica indica que proteínas e peptídeos são distribuídos de forma heterogênea no tecido, e não em toda a interface do esmalte, como se imaginava anteriormente.
A descoberta também pode ser um alvo para a prevenção e o tratamento de cáries. ;Propomos que a decomposição ocorre através de dissolução ao longo dos limites da haste do esmalte. Esses resultados podem ser utilizados para melhorar os modelos das propriedades mecânicas e de desgaste desse tecido;, ressaltaram os autores, no artigo divulgado.
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