Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Vermes aumentam fertilidade, revelam cientistas americanos

Pesquisadores chegaram à conclusão após acompanhar índias da Amazônia. As infectadas por vermes têm até dois filhos a mais. Segundo eles, o fenômeno pode ser explicado por mudanças no sistema imunológico das gestantes


Um estudo epidemiológico feito com quase mil gestantes indica que a infecção por parasitas pode ter efeitos positivos na gravidez. A conclusão é de um levantamento feito em uma comunidade de mulheres chimanes, um grupo indígena do norte da Bolívia. O trabalho, publicado hoje na revista Science, revela que as mulheres infectadas pelo nemátodo Ascaris lumbricoides, que provoca a ascaridíase, tiveram até dois filhos a mais do que aquelas não contaminadas. Os pesquisadores acreditam que a estranha relação esteja ligada ao sistema imunológico das gestantes.

Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo sofrem de infecções parasitárias causadas por vermes, principalmente em regiões tropicais sem saneamento básico. Os sintomas nocivos dessa relação parasitária são bem conhecidos e podem variar de anemia a problemas cognitivos. Mas a ligação benéfica entre esses parasitas e a gravidez ainda é um tema pouco explorado na medicina. ;Até onde sabemos, esse é o primeiro estudo a analisar em detalhes a relação entre helmintos e fertilidade;, ressalta Aaron Blackwell, professor de antropologia na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.

Um dos motivos que levaram os pesquisadores a escolher a população chimane para o trabalho foi o alto índice de parasitose registrado na comunidade amazônica: cerca de 70% deles são infectados por vermes ao menos uma vez na vida. Outro importante aspecto para a pesquisa foi o alto índice de nascimentos entre as indígenas, com uma média de nove filhos por mulher.

Durante nove anos, os pesquisadores registraram as gestações e os casos de parasitose de um grupo de 986 chimanes. Ao compararem os dados, concluíram que as infecções durante as gestações estavam ligadas a um maior número de filhos. As mães que eram infectadas pelas lombrigas, como são conhecidas popularmente as Ascaris, teriam, em média, dois filhos a mais do que as mulheres que nunca haviam sido contaminadas. A ascaridíase também estaria associada a primeiras gestações mais precoces e a um menor intervalo entre os nascimentos.

Essa relação contraintuitiva poderia ser explicada por mudanças que ocorrem no sistema imune das gestantes. Quando uma mulher engravida, o organismo dela induz um perfil de resposta do tipo Th2, que o adapta para a chegada de um invasor e evita que ele seja atacado por células imunes. ;Como o embrião tem antígenos que vêm do pai, o organismo materno tende a reconhecer o feto como algo estranho. Então, esse perfil anti-inflamatório é importante na gestação para impedir que a mãe rejeite o feto;, explica Bellisa de Freitas Barbosa, especialista em imunologia da reprodução e professora de imunologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais.

Esse é o mesmo tipo de processo que ocorre no caso da infecção pela Ascaris, que também induz a resposta imunológica do tipo Th2. Essa coincidência, defendem os pesquisadores, poderia promover a concepção e ser benéfica para o desenvolvimento do bebê. ;Esse é um estudo muito original;, avalia, em entrevista à Science, o imunologista Rick Maizels, da Universidade de Edimburgo. ;Acredito que ele vai estimular várias outras pesquisas;, ressaltou o especialista, que não participou do estudo.

A relação parasitária inusitada não seria prejudicial à saúde das mães, diferentemente das infecções causadas por outras espécies de helmintos, como o Ancylostoma duodenale. Enquanto o Ascaris só vai atrás dos nutrientes dos alimentos consumidos pelo hospedeiro, o verme que causa a ancilostomíase tem o hábito de furar a parede intestinal e sugar o sangue da pessoa contaminada. Esse tipo de infecção, que no Brasil é conhecida vulgarmente como amarelão, está associada à anemia e à perda de peso das gestantes, e pode ser bastante prejudicial ao bebê. O estudo com as mulheres chimanes mostrou que as mães que sofriam infecções desse tipo de parasita tinham uma fertilidade menor do que a média, com até três filhos a menos. A resposta imune provocada por esse helminto, ressaltam os pesquisadores, é diferente da identificada na ascaridíase.

Novos estudos
Os autores ressaltam que a relação benéfica ainda é não foi totalmente comprovada. O estudo epidemiológico não analisou os efeitos imunológicos no organismo das participantes do levantamento. Portanto, não se pode afirmar com certeza o elo entre os parasitas e o aumento das gestações. ;No entanto, muitos outros estudos já mostraram que os vermes causam mudanças imunológicas significativas, e nós estamos atualmente no processo de conduzir nossos estudos com medições imunológicas diretas;, ressaltou Aaron Blackwell, professor de antropologia na Universidade da Califórnia.

Os autores acreditam que as análises científicas sobre a relação entre o sistema imunológico e a parasitose podem levar a um novo entendimento sobre a forma como essa condição é tratada. As mudanças imunes provocadas pelos parasitas, ressaltam, também afetam a sucessibilidade a doenças como a malária e a tuberculose. ;Vários trabalhos mostraram que a infecção por helmintos está associada a mudanças em outras condições, incluindo alergias e distúrbios autoimunes. Muitos testes clínicos estão atualmente avaliando os helmintos como uma forma de tratamento;, aponta Blackwell.

O cientista questiona, inclusive, a prática de exterminar esses micro-organismos do corpo. ;Muitas pessoas estão questionando a ideia de que os profissionais de saúde deveriam ir a vilas e tratar todo mundo contra helmintos. Estudos mostraram que isso não é muito eficiente, já que as pessoas rapidamente são infectadas novamente, e também não têm grande melhora na saúde. Os nossos sugerem que outros efeitos dos helmintos na fertilidade e o risco de outras doenças também devem ser considerados quando se faz o planejamento do tratamento;, acredita o pesquisador norte-americano.

Intestino afetado
Uma das verminoses intestinais humanas mais disseminadas no mundo. A larva do parasita migra pela parede do intestino delgado e é transportada pelos vasos linfáticos e pela corrente sanguínea para os pulmões. Depois, sobe pelas vias respiratórias e é engolida, voltando ao intestino delgado, onde o verme amadurece e pode chegar a 50cm de comprimento. A infecção pode causar espasmos abdominais e obstrução intestinal. Alguns medicamentos contra a ascaridíase não podem ser ingeridos por grávidas porque podem prejudicar o feto.

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