Saturno é famoso pelos belos anéis feitos de rocha e gelo, mas o verdadeiro tesouro do segundo maior planeta do Sistema Solar está escondido em uma pequena lua com apenas 500km de diâmetro. Encélado, um dos 62 satélites que rodeiam o astro, chamou a atenção dos cientistas há 10 anos, quando uma passagem da espaçonave Cassini revelou que o objeto, coberto de gelo, está marcado por rachaduras, de onde surgem enormes plumas de água vindas de um oceano subterrâneo, lançadas ao espaço a uma velocidade superior a 2 mil quilômetros por hora. Amanhã, a sonda retorna a Encélado para uma nova visita, passando a apenas 48km de sua superfície, perto o suficiente para atravessar os gêiseres e descobrir o que mantém a lua tão ativa.
A passagem deve durar apenas alguns segundos, e ocorrerá sob a sombra do próprio satélite. Durante o voo, Encélado deve estar com o polo norte virado para o Sol, mantendo oculto o lado marcado pelas chamadas Listras de Tigre;, nome dado às rachaduras de onde surgem as plumas líquidas. Assim, as câmeras de Cassini terão de produzir imagens sob o brilho de Saturno, com o planeta refletindo a luz solar sobre Encélado, assim como o luar ilumina a Terra à noite.
A aproximação está planejada há mais de cinco anos e deve ser o momento mais dramático da missão Cassini, que se aproxima do fim. Conforme a sonda perde a última reserva de combustível, os pesquisadores pretendem obter o máximo de informações sobre Encélado com uma manobra arriscada. ;Seria um lugar muito difícil de pousar, mas a graça é que não precisamos fazer isso. O satélite envia amostras para o espaço, então podemos colher grandes amostras dali;, explicou, em entrevista coletiva, Earl Maize, diretor da missão no Laboratório de Propulsão a Jato (JLP) da Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, responsável pelo lançamento da sonda em parceria com as agências da Europa (ESA) e da Itália (ASI).
Nova era
Os pesquisadores esperam que a oportunidade fugaz seja suficiente para fornecer informações sobre a fonte de energia que mantém Encélado ativa. Para compreender por que o oceano submerso do satélite é expelido constantemente através da sua cobertura congelada, os cientistas vão procurar por sinais de hidrogênio, que podem indicar o nível da atividade hidrotérmica do satélite, isto é, como a variação do seu reservatório de água interage com o núcleo rochoso.
;Vamos coletar a maior amostra já obtida de um oceano existente em um lugar além da Terra;, ressaltou Curt Niebur, cientista do programa. De acordo com Niebur, a experiência pode ajudar a agência espacial em futuras missões, como a da sonda que deve ser enviada na próxima década a Europa, lua de Júpiter que também tem uma cobertura congelada e abundância de água. ;Esse é um passo muito importante nesta nova era de exploração de mundos oceânicos, de grandes corpos de água submersos que existem no Sistema Solar;, ressalta o pesquisador da Nasa.
Cassini foi lançada em 1997 e entrou na órbita de Saturno em 2004. Desde então, fornece dados sobre Saturno, seus anéis e o campo magnético do sistema. A sonda passou por Encélado algumas vezes e chegou a apenas 25km da lua em 2008. No entanto, a visita ocorreu em um ponto mais distante das plumas ejetadas e não permitiu que a nave examinasse em detalhes o material expelido pelo satélite.
Material orgânico
Desta vez, a proximidade privilegiada entre a sonda e os gêiseres deve permitir o registro de moléculas mais massivas presentes na água expelida. Embora a espaçonave não tenha sido projetada para buscar vida extraterrestre, a passagem pode revelar pistas sobre a habitabilidade de Encélado, e até mesmo se a pequena lua esconde formas primitivas de vida em seu oceano submerso.
Análises feitas pelos instrumentos da espaçonave mostraram que as plumas líquidas de Encélado têm materiais orgânicos, mas os pesquisadores esperam detectar novos elementos. Dados registrados por Cassini mostraram, inclusive, que essa água rica em material orgânico influencia a composição química da atmosfera e do planeta. ;Basicamente, estamos juntando pedaços de um quebra-cabeça para formar o cenário de um oceano habitável em Encélado;, resumiu Linda Spilker, cientista da missão no JPL.
;Cassini não pode detectar orgânicos complexos, não temos como detectar DNA ou grandes moléculas que indicariam a presença de vida. Mas podemos analisar o quão habitável é o oceano. (A procura por vida) fica para outra missão, com os instrumentos certos, ou para uma missão de retorno de amostras, que poderiam ser analisadas com instrumentos sofisticados aqui na Terra;, exemplifica a pesquisadora. Desde 2011, os cientistas suspeitam que o reservatório submerso do satélite é salgado e tem acidez semelhante à dos oceanos da Terra, condições favoráveis para o desenvolvimento de vida como a conhecemos.
As primeiras imagens da passagem devem ser divulgadas sexta-feira, e serão as fotos de maior resolução de Encélado já produzidas. Será possível determinar, por exemplo, se as plumas surgem a partir das rachaduras de gelo no formato de cortinas geladas, que indicariam uma única fonte de erupção, ou de jatos concentrados, lançados a partir de diversos pontos de atividade oceânica. Os experimentos científicos, no entanto, só devem gerar resultados em alguns meses.
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