Poucos animais são tão malvistos como as cobras. Na Bíblia, a serpente engana Eva e provoca a expulsão dela e de Adão do Paraíso. Na linguagem popular, esses bichos são lembrados para descrever pessoas falsas e perigosamente ardilosas. A realidade, porém, é que os seres rastejantes são mais amigos que inimigos do homem, contribuindo não só para o equilíbrio ecológico como ajudando no desenvolvimento de novos medicamentos. Por isso, para especialistas, a ameaça que paira sobre diferentes espécies no Brasil é um dado preocupante e exige ações de preservação.
O país tem uma responsabilidade incomum na preservação desses animais. Afinal, abriga a maior diversidade de serpentes do mundo, incluindo cobras-cegas, jararacas, cascavéis e corais verdadeiras e falsas, além de gigantes como a jiboia e a sucuri, que alcançam até 10m de comprimento. O trabalho de proteção das 380 espécies identificadas no Brasil, contudo, não tem sido feito de maneira adequada. Segundo estudo coordenado pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), algumas espécies perderam até 80% do hábitat que ocupavam três décadas atrás, o que as coloca em situação extremamente arriscada.
O trabalho, iniciado há quatro anos e que reúne 25 especialistas brasileiros e dois colaboradores argentinos, é uma das maiores sínteses de dados relativos a serpentes do mundo. A partir de informações coletadas em instituições nacionais e internacionais ; foram usados mais de 100 mil registros ;, os cientistas esperam concluir, no ano que vem, mais de mil mapas que delimitarão com precisão o tamanho do problema, ajudando a orientar medidas de proteção.
[SAIBAMAIS]O material já finalizado conseguiu apontar as regiões brasileiras com maior diversidade de serpentes ; a grande variedade está numa faixa que vai do sul de Minas Gerais até Santa Catarina (veja mapa), que tem formas de vegetação e de relevo que favorecem esses animais. O mapeamento, no entanto, mostrou também a triste realidade de 22 espécies que atualmente estão restritas a pequenos trechos de caatinga e outras 80 que sobrevivem em partes da Mata Atlântica. É o caso da Bothrops itapetiningae, menor espécie de jararaca do mundo, com 40cm a 60cm de comprimento. Conhecida popularmente como jararaca-coitiarinha, essa cobra, há 30 anos, era encontrada em uma faixa que ia de São Paulo até o Centro de Goiás, hoje ocupada por cidades ou pela agricultura.
Além do avanço urbano e agrícola, um fator que ameaça a sobrevivência das cobras é o temor da população, que acaba matando os bichos. ;Na Região Nordeste, nosso maior problema é o medo que as pessoas têm das cobras. Lá, é necessário um amplo programa para educar a população sobre a importância desses animais. Além de fornecer material para o desenvolvimento de remédios, são grandes predadores de roedores transmissores de doenças;, lamenta o líder do estudo, Cristiano Nogueira. ;Nas regiões Norte e Nordeste, ainda não existe um trabalho educativo eficaz, que coíba a matança de serpentes peçonhentas;, completa Marco Antonio de Freitas, zoólogo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que participa do estudo, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique .