Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Consumo total do álcool no Brasil é 40% maior do que a média mundial

Segundo o estudo, estima-se que, no mundo, indivíduos com 15 anos ou mais consumiram cerca de 6,2 litros de álcool puro em 2010, o equivalente a 13,5g por dia

Belo Horizonte ; O ano é 2015. Na sala azul com chão de cerâmica cinza e vários quadros de avisos na parede, pisca uma luz com os dizeres: ;Só por hoje, evite o primeiro gole;. Uma elegante senhora loira chama os novatos a se apresentarem. Os relatos que se seguem são histórias dramáticas que mostram a trajetória de pessoas que perderam tudo ; emprego, dinheiro, família e dignidade ; para a dependência do álcool. Afora os coordenadores, há 26 pessoas na sala, cinco são mulheres.

Meio século atrás, em 1965, nas bancas de jornal, a revista O Cruzeiro chamava a atenção dos leitores para uma reportagem sobre causas e efeitos do alcoolismo, considerado, à época, ;o mais corrosivo veneno ;atual; do corpo e da alma; e ;o maior problema enfrentado pela psiquiatria; na medicina.

De lá pra cá, o que mudou? Embora não haja números que possibilitem a comparação do consumo de álcool no país no período, em 1965, a doença não atingia ;índices alarmantes de outros países;, mas crescia de forma preocupante no Brasil. Hoje, a situação é outra, e o país passou a consumir mais álcool que a média mundial. É o que mostra o último Relatório Global sobre Álcool e Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o estudo, estima-se que, no mundo, indivíduos com 15 anos ou mais consumiram cerca de 6,2 litros de álcool puro em 2010, o equivalente a 13,5g por dia. No Brasil, porém, o consumo total estimado equivale a 8,7 litros por pessoa, 40% maior do que a média mundial. A OMS diz ainda que, em 2003, o consumo no Brasil era bem maior: 9,8 litros por pessoa.

Em que pese a diminuição do consumo de álcool em território brasileiro na comparação entre 2003 e 2010, as projeções para a próxima década indicam que ele voltará a aumentar, ultrapassando a linha de 10 litros por pessoa. O abuso no consumo é outro dado que põe o Brasil negativamente à frente do ranking mundial. Segundo a OMS, no país, a parcela da população que experimentou consumo excessivo de álcool pelo menos uma vez durante um ano foi de 12,5%. A média mundial é de 7,5%. Para piorar a situação, devido ao amplo acesso, cada vez mais a dependência do álcool é cruzada com outras drogas.

Na reunião de um grupo de Alcoólicos Anônimos (AA) em Belo Horizonte descrita no início da reportagem, a maioria dos participantes aliava o uso de álcool à cocaína, a medicamentos benzodiazepínicos (ansiolíticos usados como sedativos) e, em certos casos, ao crack. Durante a sessão, uma mulher alta, de 40 anos, mãe de uma filha, começa a falar. Trata-se de F., uma típica representante da classe média alta da capital mineira. Antes de começar, ela ajeita a bolsa no colo e cruza as pernas. Essa é segunda temporada no AA.

Na primeira, F. ainda negava a doença. ;Cheguei aqui muito arrogante, achando que ainda dava, depois de seis meses internada em uma clínica em São Paulo;, conta. Nessa época, mesmo frequentando as reuniões, tinha recaídas constantes. ;É muito difícil assumir a palavra ;alcoólatra; na vida da gente. Isso funcionava com o filho do vizinho, com o amigo do meu pai, mas não para mim. A ficha só caiu depois que quase morri;, reconhece F., que foi internada pela segunda vez há dois anos e, com 1,73m de altura, chegou a pesar 44kg.

Seu precipício particular começou com o álcool, mas depois foi associado à cocaína e aos benzodiazepínicos. ;Cheirava para acordar, bebia para passar o dia e, à noite, tomava remédios para dormir;, resume F., sóbria há dois anos, depois de passar dois meses em coma. Ela foi resgatada pelo pai ; que contou com a ajuda de um médico e de uma ambulância do Samu ; num hotel da capital depois de ligar para a família para se despedir ao perceber que estava sofrendo uma overdose.

Devastador
De acordo com a OMS, o uso nocivo do álcool é um dos fatores de risco de maior impacto para a morbidade, a mortalidade e a incapacidades em todo o mundo e está relacionado a 3,3 milhões de mortes por ano, o que significa que quase 6% dos óbitos em todo o planeta são atribuídos total ou parcialmente ao álcool. A organização não governamental Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) diz que, em 2012, 5,6 % dos brasileiros ; 3% mulheres e 8% homens ; abusavam ou dependiam de álcool.

No mesmo período, a substância esteve associada a 61,5% dos índices de cirrose hepática e a 11,5% dos acidentes de trânsito no país, sendo 18% entre homens e 5% entre mulheres. Em todo o mundo, aponta a OMS, as faixas etárias mais jovens (de 20 a 49 anos) são as principais afetadas pelas mortes associadas ao uso do álcool, que mata todos os anos 3,3 milhões de pessoas.

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