Em algumas pessoas, os sentidos se confundem e a dor, essencial para a proteção do corpo, se torna patologia. Como o tratamento costuma ser longo e difícil, cientistas conduzem uma busca incansável por uma droga ou uma intervenção que resolva a dor crônica ou neuropática definitivamente. Uma das iniciativas promissoras nesse sentido foi publicada na edição desta semana da revista Science Translational Medicine por pesquisadores da Universidade da Califórnia e dos Institutos Nacionais de Saúde, ambos nos Estados Unidos. Juntas, as instituições desenvolveram um tratamento que ataca a dor em sua origem, impedindo que ela chegue ao cérebro. E o melhor: sem efeitos colaterais.
Muitos tratamentos bloqueiam a dor em sua origem ou durante o percurso até o cérebro. Para isso, são usados medicamentos que neutralizam diretamente neurônios de dor e terminais nervosos. Um dos alvos é o TRPV1, receptor de calor e de capsaicina ; substância picante da pimenta ; expresso por neurônios responsáveis pela sensação incômoda. Ele tem uma vantagem em relação a outros alvos: pode ser bloqueado individualmente, sem prejuízo para as demais estruturas sensoriais.
Para fazer essa supressão com sucesso, entretanto, é necessário utilizar uma substância parente da capsaicina, a resiniferatoxina (RTX) ; mais potente do que sua correlata picante. Ela foi testada como analgésico em porcos, que receberam injeções precisas do medicamento nos gânglios da raiz dorsal (GRD), localizados na região lombar. ;Essa região é uma estrutura importante na dor crônica porque modula o impulso que chega à medula. O gânglio processa a sensação;, explica Thiago Freitas, neurocirurgião especialista em dor crônica do Hospital Santa Lúcia.
O neurocirurgião, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Neuromodulação, explica que o GRD funciona adequadamente na maioria das pessoas, respondendo a estímulos de dor apenas como resposta a uma agressão. Nos pacientes com dor crônica, porém, há uma desregulagem. Seus neurotransmissores e receptores não funcionam como deveriam. ;A pessoa começa a ter a sensação de queimação ou choque na perna, por exemplo, sem que exista algo por trás disso;, completa Freitas.
Aplicação focada
Os pesquisadores das instituições norte-americanas se guiaram com tomografia computadorizada (TC) para aplicar a RTX exatamente no GRD. ;Nós usamos rotineiramente a TC para guiar injeções de anestesias epidurais, por exemplo. Era, portanto, lógico que estendêssemos esse uso para nosso trabalho experimental com RTX. Assim, imitaríamos processos já utilizados em humanos e poderíamos administrar mais seletivamente a RTX em uma área de dor potencial;, conta William Dillon, pesquisador sênior do estudo.
Após quatro semanas de observação, a equipe liderada por Dillon notou que os porcos que receberam o anestésico potente tiveram a expressão de TRPV1 reduzida, sentindo menos dor. A condição foi comprovada pela exposição a estímulos de calor com laser infravermelho (veja infografia). Além disso, não foram constatados efeitos colaterais, como prejuízos nas funções motoras.
Dillon acredita que ensaios clínicos com humanos começarão em breve. ;Assim, poderemos mostrar que o uso desses agentes é seguro. Mas, de forma otimista, esperamos que isso forneça um alívio mais permanente ou mais duradouro para pacientes de dor crônica, como pessoas com câncer ou outras condições que não são cirurgicamente tratáveis;, diz o cientista.
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