O Brasil tem pesquisa de ponta, extensa área de cultivo e riqueza de matéria-prima para fabricação de bioquerosene. Além disso, lidera o ranking mundial de uso da biomassa na produção de energia e acumula experiência na implementação do programa do etanol há décadas. Isso não significa, contudo, que a rota que levará a um céu mais verde está livre de turbulências. Afinal, mesmo quando as matérias-primas estiverem prontas para cultivo em escala comercial, será preciso resolver gargalos de infraestrutura aeroportuária e de logística.
Os principais desafios para mitigar a pegada de carbono do setor aéreo foram publicados em um documento divulgado há dois anos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pela Universidade de Campinas (Unicamp), pela Boeing e pela Embraer. Fruto de workshops ocorridos em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Distrito Federal, o relatório Plano de voo para biocombustíveis de aviação no Brasil: plano de ação avalia pontos cruciais para colocar o país na rota da indústria de energia limpa para a aviação, em um momento em que o setor estabelece metas de redução das emissões de CO2 na atmosfera.
Um dos desafios destacados pelo relatório é a falta de tecnologia de refino e de conversão da biomassa em combustível. ;Se pensar em quem seria capaz de se tornar um fornecedor mundial, o Brasil teria plena condição. Temos mercado local capaz de consumir a produção, matéria-prima, pesquisa de ponta, um clima privilegiado, cultura de combustíveis renováveis... A única coisa que não temos são as tecnologias de conversão;, observa Pedro Scorza, assessor técnico para combustíveis renováveis da Gol e diretor de biocombustíveis da aviação da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).
Custos
Diferentes matérias-primas exigem equipamentos e substâncias diversas para a geração do combustível. No caso das espécies vegetais oleoginosas, como macaúba e pinhão-manso, apontadas como fontes em potencial a longo prazo, os custos de conversão são mais caros que os utilizados com materiais fósseis. Uma solução possível apontada pelo plano de ação é integrar as plantas de refino a usinas já existentes, o que reduziria o custo da conversão do óleo vegetal em hidrocarbonetos. O relatório também destaca que, para o bioquerosene ser viável, não basta pensar no custo da produção: é preciso levar em conta o valor da tecnologia de conversão daquela matéria-prima.
Outra questão importante é o transporte do biocombustível para os aeroportos. ;Entre 75% e 80% do custo do combustível é logística. Se tiver a biomassa certa, mas ela estiver longe de cada mercado, nunca vai funcionar. O desafio da competitividade de preço só será superado quando houver biomassa e logística;, destaca Scorza. Esse é um dos motivos pelos quais os pesquisadores de matérias-primas defendem múltiplas fontes de bioquerosene, respeitando as vocações regionais, além do melhoramento genético das espécies para que se adaptem ao clima e ao solo das diferentes regiões. ;Você vai fazer bioquerosene no sul do país para mandar para o norte? Você não vai viajar quatro mil quilômetros com um negócio desse. Então, qual é a matéria-prima que está lá? Qual é o processo que está lá para converter a matéria-prima e ter o material disponível lá no norte, no sul, no centro-oeste?;, exemplifica Guy de Capdeville, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia.
Políticas públicas
Da pesquisa de matérias-primas à organização da distribuição, todos os pontos que envolvem a produção e a adoção de bioquerosene no Brasil dependem de uma agenda política, observa o relatório coordenado pela Unicamp. ;Como em outras tecnologias inovadoras, o desenvolvimento de biocombustíveis para a aviação depende fortemente de mecanismos de apoio e de políticas públicas apropriadas;, diz o documento, ressaltando que as exigências de qualidade do setor aeronáutico exigirão um custo extra na produção. ;Políticas de biocombustíveis de longo prazo, que integrem os combustíveis para todas as modalidades de transporte motorizado e reconheçam a necessidade particular da aviação de alternativas sustentáveis de combustível, terão de ser estabelecidas para tornar o biocombustível para aviação economicamente viável.;
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