Um método desenvolvido por pesquisadores brasileiros e alemães, que aperfeiçoa a previsão meteorológica na região dos Andes, permitirá que o risco de enchentes seja comunicado à população dessas áreas com mais precisão e antecedência, evitando grandes desastres naturais. O estudo teve a participação de cientistas do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
Para criar o método, os pesquisadores aplicaram as ferramentas da técnica de redes complexas ; feita com base em comparações matemáticas ; aos dados climáticos obtidos por satélite. Com isso, foi construído um sistema que atesta com até 90% de certeza se a região montanhosa enfrentará chuvas torrenciais.
O professor Henrique Barbosa, coautor do estudo pelo Instituto de Física, explica que, inicialmente, o trabalho buscava identificar o papel da Floresta Amazônica na reciclagem do vapor de água, que se forma no oceano e se desloca pelo continente. ;Esperávamos ver que, quando viesse mais água da Amazônia, chovesse mais aqui no subtrópico, mas não foi o que ocorreu.;
Os cientistas foram surpreendidos pelo fato de que a chuva seguia o sentido contrário. ;Os grande eventos de precipitação começavam na Argentina e iam se propagando ao longo da encosta dos Andes em direção à Amazônia. Eles vinham ao contrário do fluxo do vento e desse transporte de umidade;, disse Barbosa.
A descoberta possibilitou o desenvolvimento de uma ;receita; que vai auxiliar o trabalho dos institutos de meteorologia dos países afetados. ;Quando o vento estiver com certa configuração, o campo de pressão, com outra, e começar a chover muito forte no Norte da Argentina, pode ter certeza de que a chuva vai se deslocar pela encosta dos Andes [especialmente, Argentina, Bolívia e Paraguai];, explicou Barbosa. Essa assertiva foi construída após análise de 50 mil séries temporais de dados meteorológicos, referentes aos últimos 15 anos. Ao aplicar essa fórmula, é possível antever as precipitações na região com até dois dias de antecedência.
O método permite prever corretamente 90% dos eventos extremos de precipitações em anos de El Niño, pois as enchentes são mais frequentes nesse período. Nos outros anos, o índice de acerto chega a 60%. De acordo com os pesquisadores, as fortes chuvas que atingem essa região andina provocaram prejuízos acima de US$ 400 milhões.
Barbosa destacou que, em períodos de mudanças climáticas, a eficácia da ferramenta desenvolvida ganha ainda mais importância. Ele disse que estudos indicam aumento do volume de chuvas e da temperatura na região dos Andes. Segundo o cientista, com isso, esses eventos extremos devem ficar mais frequentes e violentos e prever as fortes chuvas com mais antecedência torna-se fundamental. Os dados da pesquisa já estão disponíveis e meteorologistas dos países afetados podem recorrer a eles para fazer previsões.
Um artigo com um resumo do trabalho foi publicado neste mês na revista científica Nature Communications. A ferramenta de redes complexas, desenvolvida pelos cientistas, também pode ser usada para analisar a propagação de outros eventos extremos, como, por exemplo, a movimentação de ações nas bolsas de valores e a comunicação de neurônios no cérebro, entre outros. O autor principal do artigo é o pesquisador Niklas Boers, do Instituto de Pesquisas em Impactos Climáticos de Potsdam (PIK), na Alemanha.