Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Estudo indica que hepatite B foi trazida em navios negreiros

Vírus teria chegado ao Brasil no século 19, quando a Coroa portuguesa passou a escravizar pessoas da costa leste da África

Retirados à força de suas pátrias e transportados pelo Atlântico feito mercadorias, os africanos traficados no século 19 podem ter trazido para o Brasil o vírus da hepatite B. A curiosa descoberta foi feita por cientistas do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Ao sequenciar o DNA do micro-organismo causador da doença, as pesquisadoras Selma Gomes e Bárbara Lago constataram que o genótipo mais comum no país não é o que circula na Europa nem na costa leste africana, de onde saíram quase 5 milhões de escravos entre 1551 e 1840. Na realidade, o perfil do patógeno brasileiro é compatível ao da porção oriental do continente, que forneceu mão de obra forçada quando a principal rota do tráfico estava sob fiscalização inglesa.

País sul-americano que mais importou cativos no período colonial, durante 300 anos o Brasil recebeu homens, mulheres e crianças originários da costa ocidental da África. Contudo, o cenário mudou na primeira metade do século 19, quando a Inglaterra passou a pressionar a Coroa portuguesa pela extinção do comércio de escravos. Se, na teoria, esse era o fim dos navios negreiros, na prática, os traficantes apenas mudaram de rota para evitar a fiscalização inglesa, que tinha autorização de buscar e apreender embarcações suspeitas. Com isso, começaram a chegar aos portos brasileiros escravos aprisionados na parte oriental da África.


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A pesquisadora Selma Gomes, do Laboratório de Virologia Molecular do IOC/Fiocruz, explica que o objetivo inicial da pesquisa não era rastrear a origem do HBV circulante no Brasil, mas, ao decifrar o DNA do agente patógeno, as cientistas acabaram se aproximando dessa constatação. Ela conta que o vírus, que atinge um terço da população mundial, é um marcador populacional, pois seu material genético se difere de acordo com a localização geográfica. O micro-organismo causador da hepatite B tem oito perfis conhecidos, sendo que cada um é característico de determinadas regiões do planeta. Mesmo dentro de um mesmo genótipo há subdivisões. O vírus com perfil A, por exemplo, se divide em A1 e A2. O último circula na Europa e, no Brasil, foi trazido pelos imigrantes daquele continente. Já o primeiro está presente em populações asiáticas e africanas.

O artigo da Fiocruz, publicado recentemente na revista Plos One, lembra que a origem da população brasileira pode ser traçada a partir de três principais fontes: os ameríndios, que carregam o genótipo F da hepatite B, os colonizadores europeus, responsáveis pela entrada dos tipos A2 e D na América Latina, e os escravos africanos, que teriam importado para os trópicos o subtipo A1, quando chegaram ao país, entre os séculos 16 e 19. ;Até os anos 1990, acreditava-se que o genótipo A, prevalente no Brasil, tinha origem tanto nos europeus quanto nos africanos;, conta Selma Gomes. ;Entre 2002 e 2004, surgiu um trabalho na África do Sul mostrando que o genótipo A daqui é diferente do da Europa. Vimos que a maioria dos vírus que circulavam no Brasil tinham esse pé na África;, continua. Ela explica que, dentro do subtipo A1, há, ainda, dois perfis diferentes: o de ancestralidade asiática-americana e o de ancestralidade apenas africana.


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