O planeta está reagindo às perturbações no ecossistema, intensificadas desde a revolução industrial. Agora, especialistas ressaltam que é preciso responder a ele. Ao mesmo tempo em que insiste na necessidade de uma economia mais limpa de carbono, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU recomenda medidas de adaptação, especialmente nos países menos preparados para suportar os extremos climáticos que já estão acontecendo.
Nem por isso o Sudeste precisa se preocupar menos com a adaptação. Coordenador do Observatório Nacional de Clima e Saúde, uma rede de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o geógrafo e engenheiro Christovam Barcellos salienta problemas que já estão sendo sentidos em São Paulo e em outras grandes cidades e que, com o tempo, tendem a se itentensificar. ;As chuvas estão cada vez mais intensas nas megalópoles. Em São Paulo, não foi feito investimento em infraestrutura e, agora, estamos vivendo a crise de falta de abastecimento de água;, observa.
Dilema
Barcellos acredita que não vai demorar para os gestores se virem diante de um dilema: interromper o abastecimento hídrico ou distribuir água contaminada. As consequências disso para a saúde são evidentes. Um dos estudos produzidos por cientistas da Rede Clima, do Ministério de Ciência e Tecnologia, uma rede de pesquisadores da qual o geógrafo é um dos coordenadores, mostrou que a distribuição de água contaminada vai dobrar a mortalidade infantil, um problema que o país se orgulha de ter reduzido em dois terços. ;O Brasil já tem uma dívida enorme com a população, no sentido de não oferecer infraestrutura, e os cenários apontam para uma população mais envelhecida, mais vulnerável e mais frágil;, lamenta Barcellos.
As especificidades de gênero, faixa etária, local de moradia, classe social, etnia e escolarização precisam ser levadas em consideração nas medidas adaptativas, segundo o relatório do IPCC. O demógrafo e Douglas Sathler dos Reis, pesquisador de planejamento urbano e meio ambiente e professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, lembra que, no Brasil, o contingente de população vulnerável às mudanças climáticas é enorme. ;Mais de 80% da população brasileira vive nas cidades;, diz. ;Devemos pensar as questões ambientais urbanas para além dos problemas tradicionalmente conhecidos, incorporando, também, iniciativas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas;, defende.
Ações
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde informou que, com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente de 1992, as mudanças climáticas foram incorporadas à agenda do governo. ;O Ministério da Saúde, em parceria com a Fiocruz, iniciou estudos e participou de discussões internacionais sobre os efeitos na saúde humana decorrentes das mudanças climáticas, a partir das especificidades de nosso país, com o intuito de desenvolver ações mitigadoras e de adaptabilidade de população frente a essas mudanças;, diz a nota.
Desde 2007, o ministério compõe o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, e, atualmente, participa da elaboração do Plano Nacional de Adaptação e da Análise dos Riscos, Impactos e Vulnerabilidades das Mudanças do Clima na saúde humana, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. ;A ocorrência de eventos extremos climáticos, como as variações nos regimes de chuvas, que ocasionam inundações, enchentes, enxurradas, situações de seca e estiagem, tem aumentado drasticamente, sendo uma grande preocupação do Ministério da Saúde e do governo federal como um todo, pois ocasionam mortes, alterações nos perfis de morbimortalidade e traumatismos, decorrentes de eventos climáticos extremos, além de ocasionar desnutrição e a subnutrição com implicações no crescimento e no desenvolvimento infantil;, destaca a nota do órgão.
De acordo com a assessoria de imprensa, entre as medidas de adaptação para reduzir os impactos das mudanças climáticas na saúde humana, está a criação da Força Nacional do SUS, ;estabelecida em novembro de 2011 para agir no atendimento às vítimas de desastres naturais, calamidades públicas ou situações de risco epidemiológico e eventos de massa quando superada a capacidade de resposta do estado ou município;. A nota também destaca ;instrumentos de gestão, cursos e capacitações para orientar e subsidiar as secretarias de estado e municipais de saúde no fortalecimento de sua atuação em situações de desastres;.
Para Douglas Sathler dos Reis, porém, a ação dos municípios ainda é muito frágil. ;Políticas locais são fundamentais para o sucesso das iniciativas de mitigação e adaptação. Historicamente, a mitigação ganhou maior atenção das políticas públicas locais, com formulação de inventários de emissões de gases e de planos de mitigação;, lembra. Mas, segundo ele, a situação atual, no Brasil, não é animadora nesse plano. ;Poucas cidades brasileiras fazem parte das redes de conhecimento já consolidadas sobre o tema. Comitês locais de mudanças climáticas e legislações específicas apenas existem em um grupo seleto de municípios e estão direcionados quase que exclusivamente às políticas de mitigação. Os fóruns e painéis existentes no âmbito nacional e estadual pouco se articulam com as administrações locais e com grupos comunitários. Além do grande desconhecimento sobre a importância da participação local na adaptação e na mitigação nos municípios brasileiros;, afirma.