Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Soro experimental contra o ebola traz questionamentos éticos

Organização Mundial da Saúde anunciou na quarta-feira (6/8) uma reunião extraordinária na próxima semana para avaliar a possibilidade de utilizar o soro experimental ZMAPP no oeste da África

Washington - A decisão de usar um medicamento experimental para tratar dois americanos portadores do vírus ebola, quando quase 1.000 africanos morreram pela epidemia, desencadeou uma forte polêmica, embora os especialistas americanos considerem seu uso eticamente justificado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou, na quarta-feira (6/8) uma reunião extraordinária na próxima semana para avaliar a possibilidade de utilizar o soro experimental ZMAPP no oeste da África.

Este tratamento foi administrado a dois americanos que trabalharam para uma organização de caridade na Libéria, que ao lado de Serra Leoa e Guiné enfrenta uma epidemia sem precedentes do ebola.

Mas o tratamento está em fase de desenvolvimento inicial, só foi testado até agora em macacos e nunca foi produzido em larga escala. Por enquanto, não há tratamento confirmado para tratar pessoas infectadas. No entanto, o estado dos dois trabalhadores da saúde Kent Brantly e Nancy Writebol melhorou depois de ter recebido o soro.

Por que não na África?

Diante desta evidência, foram feitos pedidos de que o soro seja destinado também a países africanos assolados por esta epidemia que já matou 930 pessoas. A Nigéria, onde dois mortos foram confirmados até agora, indicou que estava negociando com os Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças americano (CDC) para obter o ZMAPP.

Três especialistas no vírus pediram que o soro seja distribuído entre aqueles que precisam. "É mais que provável que, se o ebola se expandir nos países ocidentais, as autoridades de saúde pública distribuam aos pacientes vulneráveis medicamentos ou vacinas ainda em estado experimental", destacaram os especialistas em um comunicado conjunto.

"Os países africanos, onde a atual epidemia causa estragos, deveriam aproveitar a mesma oportunidade", avaliaram. Para um dos especialistas que assinaram o comunicado, o professor belga Peter Piot, que descobriu o vírus junto com outros pesquisadores, pediu à Organização Mundial da Saúde (OMS) que estabeleça novas regras para enfrentar a epidemia.

"É agora que se torna necessário movimentar as coisas e autorizar tratamentos experimentais na África. Até a administração de um medicamento ainda não testado no homem, o ZMapp, em dois ativistas humanitários americanos, só falávamos em prevenção e não em produtos em desenvolvimento", constatou Piot, diretor da London school of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM) e codescobridor do vírus ebola em 1976 em uma entrevista publicada esta quinta-feira no jornal Le Monde.

A Mapp Pharmaceuticals, empresa americana que desenvolveu o soro junto com a canadense Defyrus, informou que qualquer decisão sobre sua aplicação deveria ser tomada com equipes médicas, segundo estabelece a regulamentação, e acrescentou que tentava aumentar sua produção.

Sem testes de laboratório?

O presidente americano, Barack Obama, afirmou na quarta-feira que os países afetados deviam se concentrar primeiro em melhorar suas medidas de saúde pública antes de pensar em um remédio experimental. Segundo especialistas, aumentar a difusão do ZMAPP não é uma decisão fácil.

"Quando há taxas de mortalidade altas, a pressão pode ser irresistível, mas devem se lembrar de que pode haver efeitos colaterais nefastos com remédios experimentais", comentou Kevin Donovan, diretor do centro de bioética da Universidade de Georgetown.

Ele considerou, no entanto, que os americanos Kent Brantly e Nancy Writebol foram bons candidatos a receber o soro porque sua formação em saúde lhes permitiu medir o tamanho do risco e acrescentou que o mereciam "porque puseram suas vidas em risco".

Mas, entre os falecidos também há muitos profissionais de saúde africanos. O representante médico de um centro de cuidados contra o ebola em Serra Leoa, o doutor Umar Kahn, de 43 anos, morreu em 29 de julho vítima da doença.

A principal diferença, segundo Arthur Caplan, diretor do serviço de ética médica da Universidade de Nova York, é que "a ONG religiosa para a qual trabalhavam os dois americanos buscou a forma de encontrar um tratamento".



E, acrescentou, embora o estado de saúde dos dois pacientes tenha melhorado, ainda se está "muito, muito longe" de poder determinar se o tratamento é realmente eficaz. "O programa ético daqui para frente é multiplicar os esforços para erradicar a epidemia, por meio da prevenção", destacou.

Além disso, enfatizou a professora Nancy Kass, do Johns Hopkins, "por algum motivo os medicamentos são testados antes de serem administrados aos humanos".