Há no planeta um esforço grande contra o tabagismo. Hoje, por exemplo, autoridades de saúde, a sociedade civil organizada e outros profissionais da área se dedicam a atividades que marquem o Dia Mundial sem Tabaco. Ainda assim, há grupos mais expostos ao cigarro, conforme pesquisas. Homossexuais, adolescentes e os mais pobres fazem parte da lista, que, segundo especialistas, deve funcionar como um sinal de que os governos precisam adotar medidas mais eficientes e direcionadas a esse público.
Levantamentos norte-americanos indicam que a quantidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT) que fumam é duas vezes maior que a população geral. A Pesquisa Nacional de Tabagismo entre Adultos dos EUA aponta que a prevalência do vício nesse público é de 32,8%, enquanto 19,5% dos heterossexuais fumam. A instituição atribui a maior incidência do problema ao estresse e ao estigma que o grupo enfrenta no dia a dia, além da agressiva campanha de marketing da indústria do cigarro.
Os EUA publicaram o primeiro relatório oficial sobre tabagismo entre homossexuais em 2001 e, desde então, uma série de pesquisas têm se dedicado a descobrir estatísticas e razões da vulnerabilidade. Os dados permitiram que organizações independentes, como a Rede de Igualdade na Saúde LGBT (Network for LGBT Health Equity), estimassem que os gastos dessa comunidade com os maços giram em torno dos US$ 7,9 milhões anuais, valor 65 vezes maior que o investido em instituições que defendem os direitos do grupo.
Um estudo publicado no início deste mês no periódico Journal of Adolescent Health mostra que o tabagismo é uma espécie de automedicação para quem se enquadra como LGBT. Os pesquisadores da Escola de Medicina Feinberg, da universidade alemã Northwestern, descreveram algumas diferenças demográficas dessa população em relação ao cigarro e como variáveis psicossociais influenciam o vício entre jovens LGBT. A pesquisa feita com 228 pessoas com16 a 20 anos, de diferentes etnias, foi a fundo na relação da vitimização com o tabaco.
Michael Newcomb, principal autor do trabalho, descobriu que as dificuldades sociais de assumir a própria sexualidade estão fortemente correlacionadas com o hábito de fumar, mas que uma forte rede social pode reverter essa situação e até mesmo prevenir que o jovem se envolva com o tabaco. “Prestar mais atenção nos diferentes impactos psicossociais pode reduzir tanto a iniciação quanto a regularidade do tabagismo ao longo do tempo”, diz o pesquisador.
Newcomb destaca que o apoio social é mais frutífero quando parte dos familiares. Isso porque, segundo ele, os relacionamentos românticos costumam ser breves durante os primeiros anos da vida adulta, o que pode fazer com que as decepções amorosas provoquem um aumento na quantidade de cigarros fumados durante o dia. Além disso, como o vício prevalece nesse grupo, dificilmente o jovem encontrará amigos e colegas que não fumam, tornando o tabagismo um círculo vicioso.
“Os adolescentes tendem a fumar mais quando seus amigos também fumam. Por isso, acredito que o apoio familiar pode oferecer grandes contribuições na luta contra o tabaco”, diz o especialista. Ele frisa que a diferença entre homens e mulheres não é discrepante, mas que os garotos são os maiores consumidores do produto. Entretanto, isso ocorre apenas nos primeiros anos da vida adulta. Uma reviravolta acontece quando estão mais velhos: eles abandonam o cigarro e elas passam a fumar com maior frequência.
Cenário nacional
Não há pesquisa acadêmica ou levantamento oficial que indique qual percentual de brasileiros LGBT é fumante. Portanto, especialistas daqui não conseguem indicar se é possível transferir os dados obtidos por equipes estrangeiras para cá, mas acreditam que os motivos que tornam esse público mais sensível são os mesmos. “É possível supor que esse segmento da população esteja mais exposto ao fumo em ambientes de socialização, como bares e boates, em que o consumo de cigarros tende a ser mais alto. Mesmo assim, ao fazer a inferência para o Brasil, deve-se levar em conta que há aqui a proibição do fumo em ambientes fechados”, pondera Cristina Maria Rabelais, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ) e especialista em saúde coletiva.
O que se pode garantir no Brasil hoje é que a maior parte dos fumantes está nas classes em que a renda e a escolaridade são menores. Cristina Maria descreve que, segundo a Pesquisa Especial de Tabagismo (PETab), 96% dos entrevistados sabiam que fumar causava danos à saúde e 91% estavam conscientes de que a fumaça do cigarro prejudica também os não fumantes. Desses, 65% pensaram em parar após ter visto as fotos e as advertências nos maços.
Os resultados não indicaram diferenças de escolaridade entre as pessoas que perceberam a veiculação de propagandas sobre controle do tabaco no rádio. Cristina Maria sublinha que as que tinham mais anos de estudo apresentaram mais sensibilidade para as propagandas veiculadas na televisão. Os jovens perceberam menos informações pelo rádio do que os indivíduos acima de 24 anos (24,3% contra 32,1%), ao passo que, na televisão, não se observou grande diferença entre as idades (62,9% contra 64,2%). “Esses resultados apontam para a necessidade de se adaptar a linguagem e os veículos comunicacionais utilizados para cada população com ênfase nos jovens, que são mais vulneráveis e o principal alvo da propaganda da indústria do fumo”, alerta a médica.