Pesquisadores americanos divulgaram na Nature que, pela primeira vez, uma reação de fusão provocada por raios laser resultou em mais energia do que a absorvida pelo combustível para desencadear o processo. O experimento, realizado na National Ignition Facility (NIF), do Lawrence Livermore National Laboratory, na Califórnia, é um passo importante para que a fusão nuclear se torne uma fonte viável de energia, o que pode se tornar possível ainda neste século, segundo especialistas. ;Esse é um excelente passo adiante na ciência. Nós estamos observando indicações de que a centelha de fusão começou a gerar resultados. Apesar disso, em termos de energia produzida, os resultados ainda são modestos;, esclarece Omar Hurricane, líder da equipe.
A fusão nuclear pode ser entendida como o processo oposto à fissão nuclear, que resultou na criação das bombas atômicas e das usinas nucleares. Enquanto, nesta, a divisão de um átomo é forçada, gerando dois outros mais leves, na fusão, dois átomos se unem para formar um terceiro, mais pesado. A grande vantagem do método investigado pelos pesquisadores do NIF é que ele não gera resíduos. O domínio da técnica, portanto, pode representar a produção de combustível sem os perigosos lixos radioativos. ;Esse processo de fusão termonuclear é muito estudado e, por volta de 2050, vai acabar fazendo parte da matriz energética mundial. O sistema é interessante porque não deixa resíduos nocivos. É feito com hidrogênio, e o subproduto é o hélio, um elemento inofensivo;, explica José Leonardo Ferreira, professor Departamento de Física da Universidade de Brasília (UnB).
O que os pesquisadores buscam fazer em estudos assim é reproduzir, em laboratório, as reações que ocorrem no interior de estrelas. ;A fusão ocorre no núcleo das estrelas, e o combustível para essa reação de fusão são átomos de hidrogênio simples, os prótons. Mas, nos astros, as condições de temperatura e pressão são maiores. Em laboratório, portanto, não é possível utilizar prótons de hidrogênio simples, por isso são usados variantes desse elemento, os isótopos;, explica Ferreira.
Para isso, os cientistas americanos bombardearam com pulsos de laser uma pequena cápsula contendo isótopos de hidrogênio, deutério e trício. Os raios fizeram com que a cápsula implodisse, provocando a fusão dos isótopos e liberando energia. A força produzida foi maior que a absorvida pelos isótopos, mas menor que toda a utilizada no experimento. Ou seja, gastou-se mais do que foi produzido.
Quando os pesquisadores conseguirem uma fusão que gere mais energia que a aplicada, eles terão chegado ao chamado ponto de ignição, que, apesar do nome, é bem diferente do que ocorre no motor de automóveis. ;Em um carro, uma faísca elétrica dá início à combustão. A ignição da fusão nuclear, por sua vez, é um processo atômico, no qual dois núcleos de hidrogênio se fundem e produzem energia;, explica Ferreira.
;Imagine que o nosso objetivo, a ignição, está no topo de uma montanha. Até agora, escalamos uma parte dela, sem mapa. O topo está encoberto por nuvens, então ainda não sabemos quanto falta para alcançarmos o pico;, admite Hurricane, o líder do estudo. No entanto, ele garante que o passo é motivo de celebração. ;Nosso time está animado, e vamos continuar insistindo.;
Outro método
Além da técnica usada no NIF, há uma outra forma de criar a fusão nuclear, por meio de campos magnéticos e elétricos que aquecem e comprimem o combustível. Esse método é mais antigo e já alcançou resultados semelhantes ao obtido agora com o laser.
Veja a avaliação de Sérgio Duarte, professor titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), sobre o estudo.
"A pesquisa tem algo de novo do ponto de vista da geração de energia pela fusão, processo que todo o mundo está correndo atrás. Existem dificuldades do ponto de vista tecnológico, e não do ponto de vista da física fundamental. A teoria é clara, e esse processo já acontece nas estrelas. A gente vive às custas dele. Mas as condições nas estrelas são favoráveis. A fusão na estrela é possível porque a densidade da matéria é grande, a temperatura também. Mas em laboratório não conseguem simular isso. A pesquisa tem a proposta da reprodução de um ambiente similar, mas em escala muito pequena. Embora os resultados sejam muito bons, falta percorrer muito chão para que esse tipo de energia seja produzida em escala industrial."