Da possibilidade de descoberta no laboratório, os cientistas partiram para o trabalho de campo, quando encontraram mais evidências da existência do animal. Contatos com indígenas do sudoeste da Amazônia, nos estados de Rondônia e do Amazonas, revelaram que, há muitos anos, eles contam histórias de uma pequena anta negra, caçada regularmente para alimentar as tribos, em especial o povo Karitiana. Caboclos ribeirinhos confirmaram os relatos dos índios, com uma descrição bem detalhada de um animal menor que a anta brasileira e de pelagem bem mais escura.
Mas foram os testes de DNA que comprovaram que se tratava realmente de uma nova espécie, levando os cientistas da UFMG e da Unir à confirmação genética e morfológica do animal. O trabalho de campo e os estudos foram intensificados, e a equipe descobriu que a separação das duas espécies teria ocorrido há aproximadamente 300 mil anos.
No artigo do Journal of Mamologiya, o Tapirus kabomani é descrito como um animal que pode chegar a 110kg, contra os 320kg da anta brasileira. A pelagem escura, as pernas mais curtas, o crânio de formato diferente e a tromba menos proeminente são as outras características que diferem a T. kabomani do maior mamífero brasileiro. Os hábitos da nova espécie também são um pouco diferentes. A anta brasileira vive preferencialmente em florestas úmidas. A recém-divulgada pode ser encontrada em campos abertos.
Achado histórico
O interesse em torno do trabalho conduzido pela equipe do professor Mario Cozzuol se deve, em primeiro lugar, à importância científica dele. Agora, existem cinco espécies de anta no mundo, sendo que a quarta descoberta data de 1865. Além disso, nos últimos 100 anos, apenas um mamífero de grande porte foi achado, o saola (Pseudoryx nghetinhensis), espécie de bovino que habita o Vietnã e o Laos, identificado em 1992. Há ainda o fato de a anta, da ordem Perissodactyla, que inclui os cavalos e os rinocerontes, ser um remanescente da megafauna, definição para os animais gigantes que habitaram a Terra no período que vai do Pleistoceno ao Holoceno.
Outro detalhe que chama a atenção é o fato de que, durante décadas, a kabomani esteve à vista de um sem-número de pesquisadores e nenhum deles percebeu que se tratava de uma nova espécie. Natural da Argentina, mas há 17 anos morando e trabalhando no Brasil, Cozzuol diz que o animal simplesmente passou despercebido e que um dos hábitos dele contribuiu para isso.
;Ela divide seu território com a anta brasileira. É a única espécie que faz isso, o que pode ter contribuído para que não fosse descoberta até então;, afirma o pesquisador, que destaca ainda o fato de ninguém ter prestado atenção nas narrativas dos índios e ribeirinhos da região em que o animal foi encontrado. Eles sempre falavam que havia outra espécie além da anta brasileira, mas as afirmações não foram levadas em conta.
Agora, com o reconhecimento do trabalho e dos relatos, o cientista afirma que ainda há muito o que fazer. ;Acreditamos que o habitat da anta kabomani não se restringe ao sudoeste da Amazônia. Há indícios de que ela possa ser encontrada no Pará, no Amapá, em Mato Grosso, no Peru e em outras regiões da Colômbia. Essa é a direção que daremos à pesquisa;, conta.
Ossada em museu
Durante o trabalho para a identificação da anta Tapirus kabomani, os pesquisadores descobriram uma curiosidade: um exemplar do animal foi caçado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, que fez um safári de caça no Brasil em 1915. O esqueleto do animal está em exibição do Museu Americano de História Natural, em Nova York.