No começo da semana, a atriz norte-americana Angelina Jolie revelou que decidiu retirar os dois seios depois de um exame genético apontar 87% de chances de ela desenvolver câncer de mama. O episódio, que gerou um debate no mundo todo sobre os caminhos da medicina, ilustra como a genética tem sido apontada, cada vez mais, como a principal resposta para a causa e a cura de doenças.
Nestes tempos de análises cada vez mais minuciosas do DNA, o neuropsicólogo Mario E. Martinez insiste em um alerta: pesquisas assim são importantes, mas não suficientes. Discípulo do psiquiatra norte-americano George F. Solomon ; um dos primeiros a apontar que os processos mentais exercem forte influência sobre o sistema imunológico ;, o cubano criado nos Estados Unidos participa de congressos e faz palestras ao redor do mundo argumentando que a mente, a história de vida e o contexto cultural são aspectos tão importantes quanto os genes para se compreender o funcionamento do corpo humano.
A área inaugurada nos anos 1960 por Solomon ; morto em 2001, aos 69 anos ; foi denominada psiconeuroimunologia, por aliar o estudo das emoções a diferentes áreas da medicina. O trabalho de Martinez, contudo, busca ir além. Para ele, as doenças são muitas vezes aprendidas pelas pessoas, tanto por conta de suas experiências quanto pelo meio social em que vivem ou foram criadas. Por isso, defende um novo paradigma para a área da saúde, que descreve como integrativo.
Batizada de biocognição, a teoria de Martinez afirma que nenhuma doença é exclusivamente orgânica ou totalmente mental. Os genes, defende, podem predispor alguém a desenvolver alguma enfermidade, mas eles não significam ;uma maldição; inevitável. O neuropsicólogo, no entanto, faz questão de separar sua teoria de abordagens que pregam um afastamento da medicina tradicional. Ele considera esse tipo de proposta muito perigoso. ;Eu nunca digo a alguém para não ir ao médico ou não tomar um remédio receitado. A pessoa não vai se curar por conta própria. Ela precisa de profissionais. Mas, ao mesmo tempo, você precisa olhar para o que pode fazer para ajudar os profissionais;, afirma.
Com mestrado em psicologia clínica pela Universidade Vanderbilt (EUA); doutorado na mesma área, com especialização em neuropsicologia, pela Universidade de Madri; e pós-doutor em farmacologia pela Universidade Farleigh Dickinson (EUA), o especialista se dedica hoje ao treinamento de profissionais de saúde por meio do Instituto de Ciência Biocognitiva, instalado em Montevidéu, onde mora atualmente.
Ao visitar Brasília para uma série de conferências no Departamento de Psicologia do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), a convite do antropólogo e professor de antropologia da instituição José Bizerril Neto, Martinez conversou com o Correio. Na entrevista, complementada mais tarde, por e-mail, detalhou sua teoria, contou como foi levado a investigar casos de stigmata (ferimentos semelhantes aos sofridos por Jesus Cristo que surgem espontaneamente em algumas pessoas) e comentou a decisão de Angelina Jolie.
Por que precisamos de um novo paradigma para a forma como lidamos com a saúde?
Porque o entendimento atual é principalmente genético e não leva em consideração os aspectos mentais e culturais. Hoje, a ciência reduz o corpo a partes doentes que devem ser tratadas isoladamente. Assim, o foco não é de fato a cura. Há um enfoque em medicamentos que, na verdade, fazem com que as pessoas vivam um pouco melhor com suas doenças. E isso não é suficiente.
O novo paradigma que o senhor propõe é a biocognição. Em que consiste essa teoria?
A teoria biocognitiva considera a cognição, a biologia e as emoções da pessoa um só processo, inseparável. Nenhum desses elementos dão origem um a outro. Eles coemergem, surgem juntos, dentro de um contexto cultural. Assim, acredito que não existe uma patologia exclusivamente orgânica nem totalmente mental. Não é possível separar mente e corpo. A genética é muito importante, claro. Ela pode predispor alguém a ter determinada doença, mas ela não significa uma maldição, porque há outros fatores.
No caso do histórico familiar, o que uma pessoa pode fazer para reduzir as chances de desenvolver a mesma doença que os pais?
De fato, a genética pode predispor você a desenvolver a mesma doença que já existe na sua família. Mas, nesse caso, você pode tentar observar bem sua família, identificar os processos que ocorrem nela, a forma como as pessoas aprenderam suas doenças e busca evitar esse caminho.
O que o senhor acha das diferentes escolas da psicologia? Muitos estudantes ficam perdidos em meio a tantas abordagens.
Eu acho que cada teoria tem algo bom com o que contribuir. A psicanálise certamente tem muito a fornecer: psicologia profunda, processos inconscientes... Mas não é suficiente. Behaviorismo também tem muito a contribuir, mas somos mais do que ratinhos em uma caixa de experimentos. O que pensamos afeta nossa biologia, não é só estímulo-resposta. Essa escola deu grandes contribuições, como no tratamento de transtornos de ansiedade, mas só para lidar com os sintomas, não com a causa. Eu recebi treinamento em psicanálise, behaviorismo, gestalt. Mas são metaparadigmas, porque nenhum explica tudo. Para um estudante, recomendo que ele pegue o melhor de cada e crie seu próprio jeito de olhar o mundo, mas lembrando-se de que há mais do que só a mente, só o corpo ou só a cultura. Eles estão inter-relacionados, são inseparáveis.
O senhor também trabalha com empresas, certo?
Eu trabalho com dezenas de empresas. As ajudo a trabalharem como o sistema imunológico do corpo trabalha. Assim como não podemos separar o corpo da mente, as empresas não podem separar bem-estar de produtividade. Quando você faz isso, você pode até criar produtividade às custas de bem-estar, mas a um preço alto. Um dos maiores gastos das corporações hoje é com doenças crônicas de seus funcionários. Trilhões de dólares todos os anos.
É difícil as pessoas serem felizes hoje com seus empregos?
Sim, muito difícil, porque elas estão procurando por ganhos materiais em vez de um sentido no que fazem.