Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Casos de cura 'quase completa' abrem caminho para avanços contra Aids

Pacientes portadores do vírus HIV permaneceram saudáveis durante anos, apesar de terem parado o tratamento

Washington - Um pequeno estudo realizado na França com 14 pacientes portadores do vírus HIV que permaneceram saudáveis durante anos, apesar de terem parado o tratamento, dá novas pistas de que a intervenção precoce poderia levar a uma "cura funcional" da Aids, afirmaram cientistas esta quinta-feira.

A pesquisa, publicada na revista médica americana PLoS Pathogens, é divulgada logo depois de, na semana passada, um bebê do Mississipi aparentar estar curado de HIV após um tratamento com anti-retrovirais realizado 30 horas após seu nascimento.

Os especialistas concordam em que, embora o paralelismo entre os dois estudos seja intrigante, o fenômeno é raro e advertem que a maioria das 34 milhões de pessoas infectadas com HIV no mundo sofreria todos os sintomas da doença se deixasse de tomar medicamentos para combater o vírus.

Para Myron Cohen, conhecida especialista americana em HIV e chefe do Centro de Doenças Infecciosas da Universidade de Duke, o estudo é "instigante". "Nos faz pensar: quem no universo dos tratados precocemente pode deixar o tratamento? Nos dá algumas pistas, mas é uma pergunta que exige mais estudos", declarou.

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O grupo de 14 adultos acompanhados no estudo francês foi tratado contra o vírus com uma série de remédios anti-retrovirais e deixou o tratamento, em média, entre dois e três anos depois.

Eles conseguiram manter a carga viral sob controle durante uma média de 7,5 anos, sem nenhum medicamento, acrescentou a pesquisa.

Os resultados são surpreendentes porque os indivíduos não têm as características genéticas de outros grupos raros de pessoas - menos de 1% da população - que são, aparentemente, capazes de se livrar da Aids de forma espontânea sem qualquer remédio e são conhecidos como "controladores naturais ou de elite".

Os 14 indivíduos foram denominados "controladores pós-tratamento" e não eliminaram completamente o HIV de seus corpos. Mas continuam mantendo-o em um nível baixo em suas células e não adoeceram.

Os cientistas advertiram, no entanto, que não compreendem bem o mecanismo que explica porque estes pacientes conseguem enfrentar o vírus sem medicamentos. Eles foram submetidos a vários testes imunológicos que não puderam explicar uma única causa para o controle continuado do vírus.

"Acho que é uma prova de conceito de que isto poderia ser conseguido em indivíduos", explicou em entrevista por telefone com a AFP o principal autor do estudo, Asier Saez-Cirion, do Instituto Pasteur de Paris. "E que isto aconteceu devido a um tratamento precoce", acrescentou.

Todos os participantes do estudo residem na França e têm entre 34 e 66 anos. Eles foram infectados com HIV nos anos 1990 e 2000. Visto que foram selecionados aleatoriamente para o estudo, não está claro qual percentual da população representariam.

Depois de uma infecção severa, o HIV estabelece depósitos virais nas células que lhe permitem se esconder e voltar, mesmo após um prolongado tratamento, o que significa que a maioria dos pacientes que deixa a medicação sofreria o retorno da infecção. "Estes depósitos são o que nos separam de uma cura para o HIV", explicou Rowena Johnston, vice-presidente de pesquisas da organização sem fins lucrativos amfAR (Fundação para a Pesquisa da Aids).

"Esta informação poderia ser utilizada para considerar novos caminhos para medicamentos ou, no melhor dos casos, avenidas para o desenvolvimento de novas vacinas", afirmou Mark Siedner, estudante de pós-doutorado da divisão de doenças infecciosas do Hospital Geral de Massachusetts da Escola Médica de Harvard. "É preciso lembrar que a grande maioria dos pacientes infectados com HIV tem depósitos virais estabelecidos e que abandonar a medicação resultaria numa replicação do vírus, na destruição imune e eventual Aids clínica", apontou.