Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Hábitos e padrões alimentares importados ameaçam a saúde da população

Em vez do tradicional prato com arroz, feijão, salada e carne, a refeição vem pré-cozida, em uma embalagem descartável, que precisa de rápidos cinco minutos no micro-ondas para ser servida. No lugar da família reunida, esperando os alimentos saírem da panela e serem dispostos na mesa, lanches são consumidos individualmente em frente ao televisor ou ao computador. Quanto do comportamento alimentar tradicional do brasileiro já foi substituído pelos produtos e pela influência da indústria globalizada?

Essa é a pergunta que dois pesquisadores do Centro de Estudos Epidemiológicos em Saúde e Nutrição da Universidade de São Paulo tentam responder, em um artigo publicado na última edição da PLoS Medicine. Para Cláudio Monteiro e Geoffrey Cannon, o processo de substituição já se iniciou, mas, diferentemente do que ocorre em outros países, o Estado e a sociedade brasileira resistem, com leis e políticas públicas que tentam blindar essa influência.

No país, a alimentação tradicional está baseada no consumo de refeições preparadas com uma diversidade de alimentos in natura ou minimamente processados, que propiciam energia e nutrientes adequados. Segundo os pesquisadores, a ameaça a esse sistema chega pelas corporações transnacionais de alimentos e bebidas ; no artigo, retratadas como Big Food e Big Snack ;, que conseguem desestabilizar as relações econômicas e políticas, alterando os fluxos produtivos locais. Desde os anos 1980, a substituição dos sistemas de alimentação tradicionais na África, na Ásia e na América Latina tem crescido rapidamente, com produtos ultraprocessados gordurosos, salgados e açucarados, de longa vida.

O impacto dessa mudança tem potencial para minar a saúde pública, levando ao aumento da incidência de obesidade e doenças crônicas. Para Daniela Frozi, conselheira nacional de segurança alimentar e nutricional e pesquisadora associada do Observatório da Educação (NUTES/UFRJ), o maior impacto dessa transição está, provavelmente, na identidade nacional. Quanto mais adepta do padrão de alimentação industrializada, mais a população se afastaria de sua cultura e de suas crenças populares relacionadas à alimentação. ;Ao substituir os alimentos frescos e mais tradicionais pelos já processados, nossa população poderá perder seu conhecimento culinário, as tradições religiosas, regionais e familiares, relacionadas ao preparo e ao consumo.;

O processo é diferenciado nos países de alta renda, uma vez que seus padrões dietéticos já são completamente industrializados. Neles, a sociedade e o Estado atuais buscam uma forma de ajustar a formulação de produtos ultraprocessados para que contenham, por exemplo, menos sal e gorduras trans, ou mais micronutrientes sintéticos. No entanto, essas reformulações, muitas vezes, permitem aos fabricantes anunciar seus produtos como saudáveis. Segundo especialistas, isso pode levar a um aumento do consumo desses alimentos, em detrimento daqueles in natura ou minimamente processados.