Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Estudos procuram entender presença feminina nos laboratórios do século 19

Se há até pouco tempo o meio acadêmico ainda era visto como um universo quase exclusivo dos homens, como explicar relatos da presença feminina em laboratórios cinco séculos atrás e o destaque que pesquisadoras como a química Marie Curie e a bióloga Nettie Stevens (veja quadro) alcançaram no século 19? A resposta está na intimidade com a cozinha e na capacidade de se dedicar a tarefas que exigem paciência e concentração, respondem os estudiosos da história da ciência.

Como lembra a pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Ana Maria Alfonso-Goldfarb, o ato de controlar o fogo e misturar ingredientes ; tarefas cruciais a diversos experimentos científicos ; era visto como uma atividade tipicamente feminina. ;Além disso, as pessoas associavam várias características como exclusivas das mulheres, como a argúcia;, completa a especialista. Essas habilidades foram a porta de entrada delas no laboratório e permitiram à humanidade desfrutar dos primeiros exemplares de extratos, medicamentos, licores, pomadas e perfumes.
Isso não significa, porém, que as ;quase cientistas; eram vistas com bons olhos. ;Na época, essa habilidade não era considerada uma qualidade. Era um atributo de pessoas que não tinham a nobreza de caráter dos homens;, diz Goldfarb. Mas, apesar do olhar cabreiro da sociedade, a ;medicina da cozinha; ou ;química das damas;, como a prática ficou conhecida nos séculos 16 e 17, não parou de crescer ; e de ganhar adeptas ilustres.

Leia depoimento de Ligia Moreiras Sena, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina e autora do site Cientista que Virou Mãe ().


"Já se sabe há muito tempo que a iniquidade observada com relação à questão de gênero na ciência não diz respeito à maior ou menor habilidade científica feminina, ao contrário do que se tentou estabelecer na década de 80. Assim, o que se discute hoje é que as dificuldades entrentadas pelas mulheres cientistas sejam de ordem estruturais, de organização das instituições científicas nacionais e, como não poderia deixar de ser, de formas sutis, às vezes imperceptíveis para quem não está atento, de discriminação sexual. Embora a questão da discriminação sexual no meio científico apareça de maneira disfarçada, ela existe, como atestam algumas publicações existentes sobre o assunto. Essa discriminação pode ser vista, por exemplo, na interpretação da agressividade e alta competitividade masculina como sendo caractarísticas positivas para um homem cientista, enquanto a mulher cientista que apresente essas mesmas características seja vista como dominadora ou autoritária, uma diferença de percepção que acaba por dificultar o acesso de excelentes cientistas mulheres a posições de destaque ou a altos níveis hierárquicos. Em função disso, não é raro que as mulheres cientistas desistam de concorrer a esses cargos."


Ligia Moreiras Sena, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina e autora do site Cientista que Virou Mãe (cientistaqueviroumae.com.br)