O tom acinzentado do céu, especialmente em grandes cidades, é um dos maiores indícios da má qualidade do ar. A saúde responde em forma de olhos irritados, respiração pesada e um mal-estar indistinto. O acúmulo de partículas nocivas à saúde no ar, contudo, não causa apenas efeitos visíveis como esses. Segundo dois estudos recentes ; um feito pelo Beth Israel Deaconess Medical Center (afiliada da Universidade de Harvard) e outro conduzido pelo Rush University Medical Center, ambos nos Estados Unidos ;, quem se expõe excessivamente a ambientes poluídos corre 34% mais risco de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). O ar sujo também acelera a ocorrência de doenças ocasionadas pelo declínio das funções cognitivas, como o mal de Alzheimer. Os dois trabalhos foram publicados na edição de fevereiro do Journal of the American Medical Association (Jama).
Greg Wellenius, epidemologista e um dos principais pesquisadores envolvidos no estudo do Beth Israel Deaconess Medical Center, diz que a chance de uma pessoa ser hospitalizada por AVC é cerca de 35% maior em dias de poluição ;moderada; ; de 15 a 40 microgramas de partículas por metro cúbico ;, quando comparado aos dias de poluição ;boa; (veja infografia). O médico conta ao Correio que um dos principais motivos para que isso aconteça é a mudança que as partículas promovem ;na função dos vasos sanguíneos, no sistema nervoso autônomo que controla a frequência cardíaca e a pressão arterial e nos maiores níveis de inflamação;.
O estudo foi feito com 1,7 mil pacientes com AVC e moradores de Boston, nos Estados Unidos. Ao longo de 10 anos, os pesquisadores analisaram as partículas mais finas, vindas de fontes como centrais elétricas, fábricas, caminhões, automóveis e da queima de madeira ; e descobriram que o tamanho dessas impurezas do ar influencia diretamente no risco de derrame. ;As partículas maiores ficam presas nas vias aéreas superiores, enquanto as menores podem penetrar mais profundamente no pulmão;, detalha Wellenius. Ele conta que, no trabalho, a equipe se concentrou no estudo das partículas finas, classificadas como material particulado 2,5 (PM, da sigla em inglês), uma vez que possuem 2,5 micrômetros ou menos de diâmetro. ;Essas partículas geralmente atingem as vias aéreas inferiores;, completa.
Jennifer Weuve, professora assistente do Instituto de Envelhecimento Saudável do Rush University Medical Center, explica que a exposição crônica às partículas de poluição acelera a perda de habilidades fundamentais, como atenção, memória, percepção, linguagem e raciocínio. Um dos principais motivos para que isso aconteça envolve, inclusive, a descoberta feita pelos epidemologistas liderados por Greg Wellenius. ;A exposição à poluição do ar aumenta os riscos de AVC e de doenças cardiovasculares;, enumera. ;Os dois fatores estão relacionados aos casos de demências, pois muitas delas são precedidas por um longo período de declínio das funções cognitivas.;
Durante 14 anos, a equipe acompanhou 19.409 mulheres norte-americanas entre 70 e 81 anos. Jennifer conta que outra importante descoberta feita pelos pesquisadores foram evidências de que partículas muito pequenas podem entrar no cérebro e causar inflamações que também contribuem para acelerar o processo de perda de habilidades cognitivas. ;Elas ocasionam alterações microscópicas típicas do Alzheimer, que é a causa mais comum de demência;, complementa. Se a exposição for a partículas maiores, com 2,5 a 10 micrômetros de diâmetro, o prejuízo cognitivo é ainda mais intenso.
Soluções
A associação entre ataques cardíacos e poluição é um tema que inquieta pesquisadores já há algum tempo. Krishnan Bhaskaran, epidemiologista da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, concluiu uma pesquisa em 2011 na qual avaliou a exposição de 79.288 pacientes que haviam sofrido ataque cardíaco a níveis de poluição atmosférica. A medição, feita de hora em hora, descobriu que o ar inadequado realmente acelera a probabilidade de o problema vir à tona. ;Níveis mais elevados de poluentes estão associados a um maior risco de ataque cardíaco nas seis primeiras horas de exposição;, explica. Com o passar do tempo, o perigo diminuiu ; mas, ainda assim, para as pessoas que provavelmente já iriam sofrer o infarto de qualquer maneira, o médico diz que ;a poluição do ar antecipou o acontecimento em algumas horas ou dias;.
Ricardo Dias, membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia (SBP) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), diz que a aglomeração das pessoas em grandes centros urbanos é um dos grandes problemas a serem contornados para minimizar essa exposição ao ar poluído. ;O maior poluidor ambiental é o carro;, analisa. O médico acredita que só mesmo uma política em que o transporte individual não é encarado como a única opção é capaz de amenizar o impasse. ;Esses poluentes competem com o oxigênio;, explica. ;A curto prazo, as pessoas começam a ter infecções respiratórias e doenças alérgicas e, a longo prazo, surgem os quadros de bronquite, enfisema e até câncer de pulmão.;