Belo Horizonte ; Caminhar, comer fora e receber visitas fazia parte da rotina do aposentado Antônio Lisboa, 82 anos, viúvo, dois filhos e três netos. Até que o mal de Parkinson chegou, há seis anos. A doença degenerativa do sistema nervoso central não tem cura e faz com que o tratamento dite o dia a dia do aposentado. ;São muitos remédios e fisioterapia até o fim;, diz. O melhor remédio, no entanto, segundo o filho Marcelo, é ;estar perto;. A família Lisboa é retrato das quase 200 mil que lidam com a doença no país, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que estima que 1% da população brasileira acima dos 65 anos sofre com a doença.
Muitos estão em busca de uma solução para o mal, e, a cada dia, surge uma nova esperança. Um grupo de biólogos e neurocientistas paulistas deu um passo importante rumo a um tratamento mais eficiente: descobriu um motivo que poderia explicar o fracasso das antigas terapias celulares contra o Parkinson e compreendeu por que as versões mais modernas desse tipo de tratamento experimental, baseado em células-tronco, não deram bons resultados.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) publicaram estudo na revista científica Stem Cell Review and Reports mostrando que, em ratos com Parkinson induzido, a contaminação por fibroblastos humanos, um tipo comum de célula encontrada em diversos tecidos, anula os possíveis efeitos positivos de um implante de células-tronco obtidas do cordão umbilical de recém-nascidos.
;Quando administramos apenas as células-tronco, os ratos melhoraram dos sintomas da doença. Mas, quando injetamos também os fibroblastos, os efeitos benéficos desapareceram e houve até piora;, explica Oswaldo Keith Okamoto, um dos autores da pesquisa e cientista do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. ;É possível que certos efeitos adversos encontrados em trabalhos científicos com terapias celulares se devam a esse tipo de contaminação;, analisa.
Ainda sem um tratamento que leve à cura, novas abordagens terapêuticas estão sob investigação clínica, entre elas, a terapia celular, conta Okamoto. Segundo ele, a doença é caracterizada pela perda de neurônios que sintetizam dopamina e pela ocorrência de deficits motores. ;Como é degenerativa e progressiva, com o passar do tempo e da morte de mais neurônios, os sintomas são ampliados. O tratamento farmacológico procura restabelecer os níveis de dopamina. Mas, com o tempo, o paciente pode se tornar resistente, necessitando de tratamento complementar;, explica.
Okamoto destaca que há uma série de estudos clínicos publicados envolvendo transplante de células neurais. ;Novos neurônios de doadores (fetos abortados) foram introduzidos por neurocirurgia no paciente para repovoar o cérebro e restabelecer o nível de dopamina. Mas os estudos clínicos até o momento não mostraram melhora significativa;, diz.
Segundo ele, ficou claro que a simples adição de neurônios no cérebro de pacientes não é eficiente e que, então, era preciso repensar. Foram iniciados estudos em modelos animais, mas, em vez de se colocar neurônios novos, foi colocado outro tipo de célula-tronco, as mesenquimais. ;Elas liberam substâncias químicas importantes que podem ajudar no surgimento ou na preservação de neurônios.;
Efeito contrário
No estudo de São Paulo, os pesquisadores trataram um grupo de animais com fibroblastos, observando uma perda de neurônios nas cobaias. ;O efeito contrário nos chamou a atenção, porque, como células-tronco mesenquimais e fibroblastos são morfologicamente semelhantes, contaminações dessa natureza podem ser comuns e passar despercebidas. Faz-se necessário, portanto, um rígido controle da pureza das culturas de células-tronco mesenquimais em aplicações clínicas;, alerta Okamoto.
De acordo com ele, o estudo foi feito em fase pré-clínica, usando modelo animal, mas fundamenta outras pesquisas com pacientes. ;Justifica e estimula novos estudos, mas, agora, com célula-tronco mesenquimal, com o devido controle de qualidade, para evitar contaminação com outras células, que, ao invés de ajudar no tratamento, pode provocar a morte dos neurônios, agravando ainda mais a doença;, esclarece.
Além de representar um avanço no conhecimento básico sobre os eventuais benefícios das terapias celulares num órgão tão complexo e delicado como o cérebro, o trabalho serve de alerta para os familiares de pessoas com o mal de Parkinson. Não há, em nenhum país do mundo, tratamento oficialmente aprovado à base de células-tronco para combater essa ou outras doenças neurodegenerativas. Até hoje, as únicas doenças que contam com tratamentos desse tipo são as do sangue, em especial as leucemias. Há três décadas, a terapia celular tem sido uma fonte sucessiva de entusiasmo e decepção para os pacientes com mal de Parkinson.
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