;Nesse estudo, descobrimos que a intolerância a nitroglicerina não se deve somente à perda do efeito vasodilatador do medicamento. Na verdade, quando precedido do infarto do miocárdio, o uso de nitroglicerina pode causar efeitos devastadores ao coração;, explica Ferreira. De acordo com o pesquisador, a intolerância à nitroglicerina é resultado da inativação da aldeído-desidrogenase 2 (ALDH2), uma enzima essencial para a proteção cardíaca em vítimas de infartos. ;O estudo verificou que a molécula ALDA-1, também descoberta pelo nosso grupo em Stanford, é capaz de manter o funcionamento de ALDH2 e evitar efeitos deletérios decorrentes da intolerância à nitroglicerina durante o ataque cardíaco;, diz o cientista.
O próximo passo será avaliar os benefícios da ALDA-1 em humanos. O custo do projeto é de US$ 10 milhões. Para tentar viabilizar a iniciativa, o grupo de pesquisadores de Stanford criou a empresa Aldea para arrecadar fundos para a realização dos testes em humanos.
Dinamite
O uso da nitroglicerina pela medicina foi bastante posterior à sua descoberta. Foi o químico italiano Ascanio Sobrero quem primeiro a identificou, em 1847, e batizou-a de piroglicerina. Vinte anos mais tarde, outro químico, o sueco Alfred Nobel, a utilizaria na fabricação da dinamite. Sobrero chegou a observar que a substância provocava dores de cabeça, causadas pela dilatação dos vasos. Mais tarde, o mecanismo do efeito da nitroglicerina nos doentes cardíacos foi descoberto por três cientistas norte-americanos: Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad.
;O grande problema é a intolerância a ela, decorrente do uso sustentado do medicamento. Os efeitos devastadores resultam da inativação da ALDH2. A ALDH2 é uma enzima mitocondrial cujas funções são essenciais no sistema cardiovascular, entre as quais catalisar a conversão da nitroglicerina ao vasodilatador óxido nítrico e remover aldeídos tóxicos produzidos durante o infarto do miocárdio. Com a inibição dessa enzima pelo excesso de nitroglicerina, esses aldeídos se acumulam no coração e passam a se ligar a proteínas, a lipídios e ao DNA, resultando na morte celular durante o infarto do miocárdio. Com a ALDH2 ativada, é possível remover com mais facilidade esses aldeídos, minimizando os danos ao coração;, explica Júlio César Ferreira, formado em educação física pela Universidade de São Paulo e PhD em química, sistemas biológicos e biodinâmica humana.
Prevenção
Setenta por cento das mortes no Brasil são decorrentes de doenças não transmissíveis: câncer, diabetes, doenças respiratórias crônicas e doenças cardiovasculares. Dessa porcentagem, quase 40% dos óbitos provêm das doenças cardiovasculares: infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, referentes a 2009, dão conta de 74 mil mortes naquele ano em decorrência de infarto ; metade das pessoas afetadas pelo problema não chegam ao hospital com vida.
Diante de dados alarmantes, o que fazer? ;Prevenção e detecção precoce;, afirma Maria da Consolação Vieira, presidente da Sociedade Mineira de Cardiologia. ;E ela deveria começar ainda na pediatria, já que, cada vez mais, as doenças cardiovasculares acometem pessoas mais jovens.; As causas são várias: obesidade, sedentarismo, hipertensão, diabetes, tabagismo e colesterol elevado, entre outras. A mudança do estilo de vida da sociedade moderna, com a consequente exposição precoce a um ou vários fatores de risco, vem acelerando o processo, de acordo com a cardiologista. Segundo a médica, a pessoa que sentir dor forte no peito deve procurar a urgência de um hospital para ser avaliada por uma equipe preparada para lidar com a situação.
"Nesse estudo, descobrimos que a intolerância a nitroglicerina não se deve somente à perda do efeito vasodilatador do medicamento. Na verdade, quando precedido do infarto do miocárdio, o uso da substância pode causar efeitos devastadores ao coração"
Júlio César Batista Ferreira, pós-doutorando da Escola de Medicina da Universidade Stanford, na Califórnia