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Ciência e Saúde

Nova técnica para reconstituição de tímpanos rompidos evita anestesia geral

Seja por acidente ou descuido, algumas pessoas perfuram o tímpano, aquela membrana fina que separa a orelha da parte média do ouvido. Dor, zumbido, perda da audição e infecções são alguns dos problemas decorrentes, que costumam sumir depois de o buraquinho se fechar. Na maioria das vezes, isso acontece espontaneamente. Quando se passam meses sem que a cicatrização ocorra, porém, é preciso se submeter a uma cirurgia, que, embora simples, exige hospitalização e, no caso de crianças, anestesia geral. Uma técnica desenvolvida por médicos canadenses do Sainte-Justine University Hospital Centre torna o procedimento bem mais simples: em 20 minutos, o paciente vai embora, sem sequer precisar passar pelo centro cirúrgico.

O método de reconstituição do tímpano já foi aplicado em cerca de 400 pacientes a partir de 4 anos, com um índice de sucesso de 92,7%, no caso de adultos, e de 85,6% em relação às crianças. Em um estudo publicado no jornal especializado Archives of Otolaryngology ; Head and Neck Surgery, o otorrinolaringologista Issam Saliba descreve o procedimento e afirma que, em comparação à técnica tradicional, a chamada miringotomia com enxerto de gordura e ácido hialurônico é tão satisfatória quanto, com a vantagem de ser mais barata, rápida e não exigir pós-operatório.

Nesta semana, Saliba apresentou o resultado do estudo à imprensa mundial, em uma entrevista transmitida pela internet em tempo real. De acordo com ele, no Canadá, cada procedimento economiza cerca de US$ 1,5 mil, e poupa os pacientes dos 10 a 15 dias que precisam ficar afastados do trabalho ou da escola pela técnica tradicional. ;As técnicas tradicionais demoram entre uma ou duas horas, e é necessário preparar um centro cirúrgico. Por isso, no Canadá, geralmente as pessoas esperam um ano, um ano e meio para conseguir fazer a cirurgia. O novo procedimento dispensa anestesia geral, hospitalização e uso de sala de operação, o que faz dele mais rápido, barato e acessível;, garante Saliba.

Embora, no estudo, o médico descreva a experiência do método em adultos, ele se concentra nos pacientes pediátricos, cujos casos costumam ser mais delicados. As operações tradicionais são indicadas a partir dos 7 anos, porque as crianças precisam receber anestesia geral, o que poderia ser arriscado antes dessa idade. No enxerto com ácido hialurônico, porém, o otorrinolaringologista apenas seda os pequenos pacientes e aplica anestesia local, permitindo que o procedimento seja realizado desde os 4 anos, idade em que muitas crianças perfuram o tímpano em acidentes domésticos, como enfiar um lápis no ouvido.

Melhora sensível

Benjamin Côté, 10 anos, foi um beneficiados com a nova técnica. Ele compareceu à coletiva de imprensa para dar seu depoimento e contou que a qualidade de vida melhorou muito depois do enxerto. Devido a constantes infecções no ouvido, o tímpano esquerdo do garoto ficou lesionado, e ele perdeu 50% da audição. ;Na escola, era difícil. Eu conseguia escutar os tons graves das vozes masculinas, mas os agudos femininos eram muito confusos. Minhas professoras quebravam a cabeça para tentar me colocar em uma posição na qual eu pudesse ouvir bem, mas perdi muito conteúdo e minha mãe chegou a pensar que eu tinha deficit de atenção;, relatou.

Nadar era outro problema para o menino, que evitava a água com medo de mais infecções. ;Ele passou por muitos desafios na escola e no dia a dia. Os primos brincavam na piscina e o Benjamin só podia molhar os pés;, contou a mãe, Melanie Fortier. Aos 8 anos, o garoto passou pelo procedimento no Hospital Universitário de Sainte-Justine. Um ano depois, o tímpano estava completamente restabelecido. Passados quatro meses, porém, Benjamin já havia começado a recuperar a audição.

De acordo com Saliba, o procedimento é feito pelo canal auditivo e a técnica permite que o próprio corpo reconstitua a membrana em cerca de dois meses. Antes de começar o procedimento, é retirado um pedaço de tecido da parte de trás do lóbulo da orelha, com tamanho pelo menos duas vezes maior que a perfuração do tímpano. Esse enxerto vai estimular a vascularização no local e a migração de células até o buraco na membrana; ou seja, é o que fará a lesão se cicatrizar.

O ácido hialurônico, que ajuda na recuperação do tecido, é aplicado em forma de uma fina lâmina incolor, parecida com uma cola, que veda a cavidade média do ouvido. Coberta por gelatina, ela é absorvida pelo organismo em até dois meses. ;As pessoas associam o ácido a procedimentos cosméticos, porque ele é usado no preenchimento de rugas e linhas de expressão;, diz John J. Voorhees, professor de dermatologia da Universidade de Michigan, que não participou do estudo de Saliba. ;Na verdade, ele consegue preencher as rugas justamente porque estimula a formação de fibroblastos, as células que, na pele, produzem o colágeno.;

Recuperação

Depois do procedimento ; Saliba destaca que não se trata de cirurgia ;, o paciente sai da clínica e pode ir para a escola ou o trabalho no mesmo dia. Não é necessário um período de recuperação, ao contrário das cirurgias tradicionais. O método, porém, só é válido no caso de tímpanos perfurados sem comprometimento dos ossos. Caso o acidente tenha fraturado os ossinhos que também fazem parte da cavidade média do ouvido, é preciso submeter o paciente a uma operação, para regenerá-los.

Issam Saliba contou que a ideia da técnica surgiu há cinco anos ; ;A maçã caiu na minha cabeça;, brincou, fazendo uma referência à lenda de que a lei da gravitação universal foi postulada por Isaac Newton depois que uma fruta em cima do físico inglês enquanto ele estava sentado à sombra de uma árvore. Ele lembrou que a miringotomia com enxerto de gordura e ácido hialurônico é a fusão de duas técnicas já existentes, mas que, sozinhas, não conseguiram muito êxito. ;Ambas têm suas vantagens, então imaginei que, juntas, poderiam resultar em uma excelente técnica. Acredito que conseguimos fazer com que isso virasse realidade;, disse.

"As técnicas tradicionais demoram entre uma ou duas horas, e é necessário preparar um centro cirúrgico. Por isso, no Canadá, geralmente as pessoas esperam um ano, um ano e meio para conseguir fazer a cirurgia. O novo procedimento dispensa anestesia geral, hospitalização e uso de sala de operação, o que faz dele mais rápido, barato e acessível"
Issam Saliba, otorrinolaringologista

"Na escola, era difícil. Eu conseguia escutar os tons graves das vozes masculinas, mas os agudos femininos eram muito
confusos. Minhas professoras quebravam a cabeça para tentar me colocar em uma posição na qual eu pudesse
ouvir bem, mas perdi muito conteúdo e minha mãe chegou a pensar que eu tinha deficit de atenção"
Benjamin Côté, 10 anos, que passou pela cirurgia com o novo método aos 8