Segundo o Ministério da Saúde, desde 2003 a Política de Saúde Mental no Brasil adota um ;modelo de atenção integral aos pacientes estruturada nos princípios da reforma psiquiátrica;. A ideia principal é descartar a hospitalização como única possibilidade de tratamento. Nesse sentido, foram criados espaços que funcionam como alternativas pré-internação, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), as equipes de Saúde da Família, os Consultórios de Rua e as Casas de Acolhimento Transitório (CATs), com tratamentos que foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa é de que até 2014 o Ministério da Saúde financie a criação de 7.780 vagas em unidades de acolhimento, ;que abrigarão os dependentes químicos por até seis meses para estabilização clínica e controle da abstinência;, de 216 consultórios de rua para o tratamento de dependentes químicos e de mais 3,6 mil leitos na rede de assistência.
Outra diretriz adotada pelo governo, a implementação de uma política de atenção integral direcionada a usuários de álcool e outras drogas ; que prevê a internação de quem sofre com esse tipo de problema ; tem, entretanto, acalorado a discussão. Para o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Humberto Verona, a prática é um retrocesso. ;A reforma veio depois de muito trabalho dos profissionais de saúde para convencer as pessoas de que o louco é humano também e que a internação não é a solução para ninguém. Aí, vem uma política oficial e defende o oposto disso;, justifica.
Segundo Verona, a divulgação que tem sido feita a respeito das internações de usuários de drogas pode induzir a população a acreditar que o confinamento significá o fim dos dependentes químicos. ;Fizemos inspeções e vimos que em alguns locais as pessoas sofrem tortura, são presas em celas ou ameaçadas de perder a guarda dos filhos por ter tido recaídas na droga;, enumera.
Deficiências
Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, até mesmo a terminologia ;reforma psiquiátrica; está equivocada, pois não se baseia em ciência, mas em uma ideologia. ;Ninguém reforma uma especialidade médica;, esclarece. Segundo Antônio, o que falta para que a ;reforma; funcione é a integração dos profissionais da rede pública de saúde. Acabar com o atendimento hospitalar de doentes mentais, de acordo com o presidente da ABP, fez com que os pacientes fossem remanejados para as ruas e prisões. ;O que foi proposto no Brasil resultou em moradores de rua doentes mentais e doentes na cadeia, transformando os presídios em manicômios, mostrando que o modelo é tão falido quanto o hospitalocêntrico;, defende. Antônio acredita que, para que o problema seja realmente resolvido, é necessário criar uma abordagem estruturada em três pilares principais: proteção, promoção e prevenção da saúde mental.
Embora também defenda a existência de uma rede de atendimento, o médico acrescenta que os CAPs ainda estão longe do que seria o ideal. ;Um CAPs atende de 300 a 500 pessoas. Hoje, existem cerca de 1,6 mil CAPs, que não atendem nem sequer 1 milhão de pacientes;, calcula Geraldo. ;Seriam necessários 92 mil CAPs para atender os 46 milhões de doentes. Ou seja, não resolvem o problema.; A solução, de acordo com Antônio, seria a criação de centrais de atendimento às doenças mentais em cada posto de saúde do país. ;Se esses espaços adiantassem, não haveria tantos viciados em crack e 60 mil doentes mentais na cadeia. Querem transformar em um problema policial o que é um problema médico.;
Ao longo de seis anos de existência, o CAPs 2 do Paranoá já atendeu cerca de 6 mil pessoas. Atualmente, 350 pacientes com esquizofrenia, psicose, transtorno obsessivo compulsivo, depressão e neuroses graves dividem o espaço. Ricardo Alves, psicólogo e gerente do CAPs, explica que cada paciente tem um plano terapêutico personalizado, de acordo com a sua enfermidade. ;É uma reabilitação psicossocial. Além da medicação e consultas com médicos, eles frequentam grupos terapêuticos de ordem de oficinas, produção e psicoterapia;, detalha. ;Os pacientes que vêm para cá muitas vezes passaram por longas internações. São pessoas que desaprenderam a viver.;
Acompanhamento
Juracyr Pereira Ramos, 60 anos, tem dois filhos que frequentam o CAPs. Os dois sofrem de esquizofrenia. A empregada doméstica conta que precisou largar o emprego para poder acompanhar Júlio César e Advan Pereira Ramos, 32 e 37 anos, respectivamente. ;Prefiro vir com eles porque não confio em deixar que eles venham sozinhos;, comenta. Os remédios são administrados por ela, sempre no horário determinado pelos médicos. ;Quando comecei a tomar os remédios, minha vida mudou;, diz Júlio César. ;Me acho mais saudável. Eu ficava o dia inteiro na rua, fazendo nada.; José Alfredo dos Santos, 43 anos, também recebe tratamento para esquizofrenia no CAPs do Paranoá. Antes de conhecer a unidade, há quatro meses, quando chegou a Brasília, o paulistano já contabilizava mais de 15 anos de terapias, remédios e internações.
Da época em que ficou internado, por vontade própria, José guardou na memória o descaso. ;Aqui, o pessoal é mais experiente. Eles prestam atenção no que a gente fala.; Nas terapias de grupo com os demais pacientes, José teve a chance de expor o que pensa e ouvir as experiências dos colegas ; e ganhou autoestima para se renovar. ;Sempre pesquisei, queria entender como buscar a cura. Nunca choraminguei pela minha situação.; Engajado, ele conta que participava do Conselho Regional de Psicólogos e de conferências de saúde mental da Universidade Estadual Paulista (Unesp) ; além de ter sido candidato a vereador por três vezes em São Paulo. ;Não ganhei porque fui honesto demais;, brinca.