Controlar o HIV, vírus que causa a Aids e atinge hoje 34 milhões de pessoas em todo o mundo, não é uma tarefa fácil. Desde 1981, a doença causou 30 milhões de mortes, e uma cura ainda parece distante. Por isso, cada passo dado na luta contra o mal é comemorado pela comunidade científica. Um novo avanço está publicado na edição de hoje da revista científica Nature. Pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, produziram uma vacina com o poder de diminuir em até 80% a chance de os macacos rhesus ; espécie biologicamente próxima dos seres humanos ; adquirirem o vírus da imunodeficiencia símia (SIV), espécie de versão do HIV dos macacos.
A combinação de doses de MVA, Ad26 e Ad35, três tipos de vacina que isoladamente ainda não conseguem um índice de eficácia suficiente para o uso massivo, resultou em uma forma mais eficaz de ataque ao vírus. Além de evitar a transmissão para animais saudáveis em uma grande quantidade de casos, a imunização conseguiu diminuir o nível de infecção, ou seja, controlar a quantidade de SIV circulando no sangue.
Segundo os autores do estudo, o sucesso da combinação das três vacinas se deve ao fato de ela atingir a superfície proteica do vírus, justamente um dos maiores entraves para as pesquisas com vacinas voltadas para combater o HIV nos seres humanos. As drogas testadas até agora não conseguiram penetrar essa capa e chegar ao interior do vírus da Aids. Já no estudo com os símios, a proteína foi quebrada e os animais tiveram um alto índice de controle e imunização da doença. ;Esse novo estudo imunológico cria requisitos a serem cumpridos para bloquear o estabelecimento da infecção;, explicou ao Correio Dan Barouch, líder do estudo. ;Trata-se de uma nova estratégia em relação ao tradicional controle da replicação viral após a infecção;, completou.
Essa nova estratégia incluirá uma série de medidas para conseguir bloquear o desenvolvimento do HIV. ;Os resultados mostram que os anticorpos para ENV, a proteína envelope que compõe o revestimento exterior do HIV, e a proteção contra a aquisição do vírus apresentam respostas diretamente relacionadas;, disse Michael Nelson, diretor do Programa de Pesquisa Militar em HIV, dos EUA. ;Assim, esses distintos processos imunológicos estão ligados ao controle dos vírus em um processo diferente do bloqueio da replicação do vírus;, acrescentou.
Na prática, os pesquisadores encontraram uma nova maneira de atacar o vírus. Enquanto a maioria das iniciativas tenta bloquear sua reprodução quando o paciente é infectado, os estudos liderados por Barouch tentam encontrar uma forma de matar o micro-organismo quando ele está na corrente sanguínea. A estratégia auxilia tanto no bloqueio da infecção quanto na diminuição de seu desenvolvimento. ;Esse estudo nos permitiu avaliar a eficácia protetora de várias combinações da vacina, e esses dados vão ajudar a orientar o avanço dos candidatos mais promissores em ensaios clínicos;, conta o especialista de Harvard.
Semelhança
O SIV é bastante parecido com o HIV, tanto que, para os cientistas, o primeiro originou o segundo, ao ser transmitido para os homens. A rota mais provável de transmissão do HIV-1 para os seres humanos envolve contato com o sangue de chimpanzés, frequentemente caçados na África. Assim, na tentativa de entender o vírus da Aids humana, um caminho importante foi estudar os seus vírus originários.
Ao contrário do que ocorre com as pessoas que contraem o HIV, a maioria das infecções por SIV não são prejudiciais aos símios. Estudos com mangabeis, uma espécie de mandril que habita as florestas do Congo, mostrou que o patógeno não causa mal aos bichos. A hipótese mais provável é que, ao longo de milhares de anos, os pequenos macacos tenham desenvolvido resistência à Aids símia. Uma das exceções são os rhesus, que desenvolvem a doença.
Para Carl Dieffenbach, diretor da Divisão de Aids do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, a pesquisa abre um novo universo de estudos sobre a Aids e o HIV. ;Esse estudo é importante porque possibilitou ao sistema imunológico proteger contra o vírus e controlar sua replicação;, disse ao Correio. ;Isso certamente terá implicações importantes para a próxima rodada de testes clínicos de vacinas contra HIV;, acrescentou o norte-americano.
Infecção antiga
Também conhecido como vírus do Macaco Verde Africano, o SIV é um retrovírus capaz de infectar pelo menos 33 espécies de primatas. Com base na análise de cepas encontradas em quatro espécies de macacos da ilha de Bioko, concluiu-se que a SIV está presente em macacos há pelo menos 32 mil anos.