Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Pesquisadores europeus anunciam estar mais próximos da 'partícula de Deus'


Este ano, as grandes estrelas da ciência, ironicamente, pertencem ao mundo das minúsculas partículas. Depois de pesquisa-dores italianos terem medido neutrinos viajando mais rápido do que a luz, estruturas menores que os átomos voltaram a causar alvoroço na comunidade científica. Pesquisadores do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês) anunciaram ontem ter ;encurralado; o bóson de Higgs, ou ;partícula de Deus;, hipoteticamente responsável pela matéria, logo pela existência da gravidade e de todo o Universo.

Segundo o Modelo Padrão de Partículas, principal teoria que explica a formação dos átomos, o bóson seria uma estrutura subatômica, ou seja, menor que um átomo, formada durante o big bang, há cerca de 13,7 bilhões de anos.

Pelo modelo, o bóson teria a capacidade de interagir com o campo magnético que permeia todas as partículas existentes no mundo. Dependendo de como acontece essa interação, as demais partículas ganham ou permanecem sem massa, como ocorre com a luz, por exemplo. Embora a teoria se encaixe na maioria dos experimentos existentes até hoje, ela nunca foi comprovada.

Para encontrar o rastro dessa espécie de ;tijolo; do cosmos, proposto pelo pesquisador britânico Peter Higgs na década de 1960, os pesquisadores precisaram investir tempo e recursos, além de contar um pouco com a sorte.


A ocorrência do bóson é extremamente rara. Dentro do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), um gigantesco equipamento com 27km de diâmetro, instalado no subsolo da fronteira entre a França e a Suíça, os cientistas enviaram em direções opostas prótons que, ao se chocarem, liberavam uma série de partículas.

Cada minúscula estrutura possuiu uma massa, medida na forma de energia por giga elétron-volts (GeV). O LHC tenta então encontrar os bósons observando aquelas partículas com massa entre 100 GeV a 600 GeV. Os dois grupos (Atlas e CMS) que pesquisam no laboratório europeu chegaram às mesmas conclusões.

;Nossas análises confirmam a exclusão do bóson de Higgs em um intervalo de massa de 127 a 600 GeV, mas ao mesmo tempo mostram pela primeira vez alguns indícios, ainda não conclusivos, de que o bóson de Higgs pode existir com uma massa ao redor de 125 GeV;, contou o pesquisador do Cern Rogerio Rosenfeld, também ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Rastros importantes
Além de descartar uma ampla gama de possibilidades de faixas de localização, os cientistas determinaram na faixa dos 127GeV a provável localização das ditas partículas divinas. ;O que vemos hoje são apenas ;rastros; do que podem ser os bósons. Os resultados ainda são muito tênues para determinar conclusivamente a existência da partícula, mas dão uma pista importantíssima de onde procurá-la;, conta o também pesquisador do Cern e da Unesp Sérgio Novaes. ;É como se fosse um rádio chiando. Conseguimos, em meio a todo o barulho, encontrar um sinal do que estamos procurando. Agora, precisamos tentar fazer esse sinal ocorrer novamente para confirmar sua existência.;

A expectativa dos especialistas é de que o próximo ano seja histórico para a física. Seguindo o planejamento de experiências, até o final de 2012 os pesquisadores já terão realizado colisões de prótons suficientes para ter observado a liberação dos bósons. ;O próximo passo agora é repetir os experimentos várias vezes para tentar localizar novamente essas alterações na faixa dos 127GeV, o que esperamos ter conseguido até o final do próximo ano, se tudo correr bem;, conta Novaes. ;Somente resultados mais robustos podem confirmar a existência destas partículas, mas o apresentado hoje (ontem) mostra que estamos no caminho certo;, completa.

Há dois anos em funcionamento, o LHC foi concebido justamente para confirmar a existência e compreender melhor essa partícula, que há décadas se esconde dos pesquisadores. Ela seria uma das últimas ; e talvez a mais importante ; peças do quebra-cabeça que explica o surgimento da matéria.

Embora o restante do Modelo Padrão de Partículas e Interações já tenha sido desvendado, ainda faltava confirmar a existência da partícula e determinar sua massa. ;Ao longo das últimas décadas, a massa de outras partículas elementares da matérias, os quarks e os léptons, foram determinadas. Mas, para confirmar essa teoria, ainda falta entender a cola que une essas informações: o bóson;, conta Eduardo do Couto e Silva, físico do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT).

Para ele, embora ainda não seja possível determinar com exatidão a existência da partícula, este é um momento ;extraordinário; para a física. ;O homem foi capaz de criar condições para entender alguns dos processos que mais desafiam o nosso entendimento;, afirma Eduardo, que já trabalhou no Cern e é membro afiliado do Kavli Institute of Particle Astrophysics and Cosmology, da Universidade de Stanford. ;Se ficar comprovada a existência do bóson, será uma descoberta importantíssima. Mas, se ficar comprovada a sua não existência, será ainda mais importante, pois veremos que existe algo que ainda não foi entendido;, completa.

Maldição
Embora o termo ;partícula de Deus; tenha sido consagrado, ele desagrada muitos cientistas, que consideram a designação exagerada. A origem do apelido não se deve a um pesquisador, mas a uma editora de livros. Quando o vencedor no Nobel de Física de 1988, Leon Lederman, terminou de escrever, em 1993, um livro sobre o assunto, nomeou-o como the goddamn particle (expressão em inglês que pode ser traduzida como maldita partícula), em função da dificuldade que os cientistas enfrentam para localizá-la. No entanto, o editor do livro achou o termo agressivo e de pouco impacto, e sugeriu o título The God particle (A partícula de Deus), termo do qual os cientistas nunca mais conseguiram se livrar.