Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Vida marinha não acompanha aumento da temperatura na Terra, aponta estudo



Sem a visibilidade das florestas, o apelo dos animais terrestres e, principalmente, a necessidade direta de seu hábitat para a sobrevivência humana, a vida, no fundo do mar, pede socorro. Ao contrário do que se imaginava, embora a temperatura da água aumente mais devagar que a da atmosfera, a biodiversidade marinha não tem tempo de sobra para se adaptar às mudanças impostas pelas alterações climáticas. De acordo com uma pesquisa da The Commonwealth Scientific and Industrial Research Organization (CSiro), principal agência científica da Austrália, os animais aquáticos demoram mais para conseguir se realocar do que os terrestres. Para muitas espécies, isso poderá significar a extinção.

;Apesar de o aquecimento dos oceanos estar ocorrendo três vezes mais devagar que o da atmosfera, a vida marinha precisa de mais tempo para se adaptar às mudanças climáticas;, diz ao Correio Elvira Poloczanska, coordenadora da área de adaptação climática da Csiro. De acordo com ela, em todo o mundo, está crescendo o número de espécies que respondem às alterações na temperatura migrando e mudando seu ciclo biológico, como a época da fertilização e da reprodução.

A cientista afirma que um grau a mais na temperatura oceânica poderá significar que plantas e animais marinhos terão de viajar centenas de quilômetros para se manter em sua zona de conforto. ;Esse é um grande problema para diversos organismos, particularmente para aqueles que não conseguem se locomover, como os corais;, afirma. ;A taxa de realocamento da vida marinha não depende só das mudanças na temperatura, mas também está relacionada ao quanto as espécies precisam migrar para alcançar um local com condições ideais de sobrevivência;, explica Anthony Richardson, professor associado da Universidade de Queensland e coautor do estudo, publicado na edição desta semana da revista Science.

Richardson diz que, na superfície terrestre, a migração é um desafio, mas que, dependendo do ambiente, pode ser uma tarefa mais fácil para as espécies. ;Áreas planas, como desertos, exigem que animais e plantas percorram longas distâncias. Já em regiões montanhosas, elas podem conseguir se realocar mais facilmente. Isso, porém, não acontece no oceano. Em áreas quentes como o Equador, que já são desafiadoras para a biodiversidade marinha, a fauna e a flora oceânicas terão de se mover muito rápido para alcançar zonas em que consigam viver. Estamos preocupados particularmente com esses locais;, detalha. O aumento da temperatura não traz apenas desconforto à biodiversidade marinha. Mudanças no clima afetam o ciclo reprodutivo das espécies. Com o aquecimento, se uma planta ou um animal precisar manter seu ambiente térmico, terá de reproduzir muito antes do natural.


Padrões
O estudo também identificou que os padrões de mudanças climáticas no oceano não são uniformes, com regiões ficando mais quentes e outras mais frias em diferentes taxas. No Hemisfério sul, por exemplo, muitas áreas estão congelando, o que afeta a biodiversidade polar. ;Isso porque só estudamos as espécies que vivem nas superfícies marinhas. Podemos imaginar que aquelas cujo hábitat é o mar profundo podem estar correndo um perigo semelhante ou até maior;, diz Elvira Poloczanska.

Graças a tecnologias mais sofisticadas, pesquisas da macrofauna demonstraram que o oceano profundo é muito mais diverso biologicamente do que se imaginava. Em uma única amostra, uma equipe internacional de cientistas encontrou 365 espécies diferentes. Na década de 1990, foi estimado que 10 milhões de pequenos invertebrados ; o dobro do encontrado em florestas tropicais ;habitavam o fundo do mar.

Para o zoólogo Christopher Harley, da Universidade de British Columbia, a perda da biodiversidade marinha provocada por mudanças climáticas aliadas a ações predatórias é mais grave do que se imaginava. Também na Science, ele publicou um estudo mostrando a resposta de cracas e mexilhões ao aquecimento dos oceanos e à predação das espécies, por parte das estrelas do mar. ;Escolhi os mexilhões e as cracas porque esses organismos já estão perto de seus limites de tolerância térmica, então o impacto do aumento da temperatura é bem fácil de ser estudado;, explica.

Quando a água está fresca, esses animais conseguem viver praticamente no nível do mar, fora do alcance de predadores. Porém, com o aumento da temperatura, eles estão migrando para o fundo do oceano, onde viram presa fácil. ;As altas temperaturas diárias registradas no verão estão quase 3,5;C mais altas, comparando-se a 60 anos atrás;, diz o cientista, que pesquisou a região de Vancouver, no Canadá. ;Por isso, cracas e mexilhões precisaram recuar pelo menos 50cm abaixo do nível do mar. Lá, foram esmagados por predadores: houve uma queda de 51% no número de espécimes.;

;Esse estudo mostra que mudanças climáticas podem também alterar as interações entre as espécies e produzir mudanças inesperadas no hábitat, na estrutura e na diversidade das comunidades marinhas;, alerta Harley. ;Na Terra, todos os sistemas estão conectados. É importante lembrar disso porque, quando perturbamos um determinado ambiente, não estamos mexendo apenas com ele. Há consequências para o planeta inteiro, da atmosfera ao oceano;, diz.

Crescimento comprometido

Uma das mais ricas faunas oceânicas, o Mar Vermelho corre o risco de perder parte de sua biodiversidade devido ao aquecimento global, que está aumentando a temperatura das águas. Os recifes de corais, que atraem mergulhadores de todo o mundo, podem parar de crescer daqui a 60 anos, caso não sejam tomadas medidas, de acordo com um estudo publicado na revista especializada Nature.