Quando se discutem as mudanças climáticas, são comuns comparações como "a temperatura do planeta está 2;C mais alta do que há um século", ou "este ano foi uma dos mais quentes desde o início da Revolução Industrial".
O que faz surgir a dúvida: como conseguir dados confiáveis de tempos remotos quando a tecnologia estava longe do padrão atual? Sobre essa questão, a revista científica Science publica, em sua edição de hoje, um artigo que alerta sobre a necessidade de se calcular e recalcular exaustivamente as condições climáticas do passado. Para os especialistas, essas medições são peça-chave para a compreensão do que, de fato, ocorre com o clima da Terra hoje.
Um dos autores do comentário, o pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos Estados Unidos Tom Wigley explica ao Correio que, em muitos casos, as medições de temperatura de tempos mais distantes precisam ser reconfirmadas para que sejam as mais exatas possíveis. "Indicadores do aquecimento global são a forma mais simples e óbvia de se determinar os efeitos dos seres humanos sobre o sistema climático. Portanto, é importante ter certeza de que os registros de temperatura são precisos e confiáveis", afirma o pesquisador.
Assim, para que haja uma base de dados eficientes que permita medir como, quanto e onde o clima está sendo alterado, pesquisas utilizando as técnicas mais modernas disponíveis devem revisar os dados climáticos como temperatura e umidade.
"Os registros mais antigos, por vezes, requerem correções para dar conta das influências não climáticas, como movimentos da estação, o aquecimento urbano, entre outros", afirma Wigley. "Somente quando registros produzidos de maneira independente entrarem em acordo é que teremos certeza de que essas medições estão sendo feitas com precisão", completa.
Mas como medir o clima na Terra décadas ou séculos atrás? Para dar conta dessa tarefa, climatologistas e outros cientistas precisam fazer um trabalho de detetives. Isso porque o clima deixa pequenas pistas que são conservadas pelo tempo. Encontrar essas pistas e interpretá-las quantitativamente e qualitativamente é um trabalho extenso e árduo, feito em conjunto, que resulta em uma espécie de biografia climática da Terra dos últimos 800 mil anos. Antes disso, o clima terrestre continua um mistério completo para os pesquisadores.
Apesar de os pesquisadores defenderem a constante melhora na coleta do dados climáticos, para eles é inegável que a Terra está ficando cada vez mais quente. "A evidência de que o homem é responsável pelo aquecimento global e pela mudança climática é esmagadora. A palavra "inequívoca" é frequentemente utilizada para definir esse fenômeno", diz Tom Wigley, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos Estados Unidos, que vê o aprimoramento dos dados como uma forma de se entender melhor de que maneira essa mudança vem acontecendo.
"Os padrões de mudanças climáticas observados concordam bem com os modelos de previsões disponíveis, baseadas na influência humana, como a queima de combustíveis fósseis. O fator humano é um padrão único, de modo que exclui outros possíveis fatores", completa o cientista.
Nos últimos 50 anos, as medições da temperatura terrestre são mais simples, embora não necessariamente fáceis. Elas se baseiam em estações climáticas espalhadas ao redor do mundo. "No entanto, essas estações são muito desiguais e mal distribuídas, por isso é necessário um esforço para se chegar a medições exatas", conta o geólogo e diretor do Centro Polar Climático Brasileiro na Antártida, Jefferson Cardia Simões. Segundo ele, são necessárias outras ferramentas, como estudos de solo, vegetação e dinâmica climática, para chegar a esses valores.
Passado remoto
A viagem no tempo para até meados do século 18 é ainda mais complexa. "Nesse período, surgiram as primeiras estações climáticas, então existem dados disponíveis, mas eles são muito incipientes", conta Simões. Por isso, encontrar vestígios climáticos se torna ainda mais importante. "Determinar com exatidão não apenas se, no passado, estava mais quente ou mais frio, mas também o quão quente ou frio estava, é um dos grandes desafios da ciência", completa o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Contudo, é do século 18 para trás que estão os grandes desafios de aferição do clima. Isso porque não há medições como as feitas pelas estações climáticas. Nesse ponto, as pistas deixadas pelo clima são a única forma de pesquisa. "Uma das técnicas mais comuns é a medição de isótopos de oxigênio e hidrogênio presentes no gelo", conta o especialista gaúcho. "É possível verificar se o planeta estava mais ou menos quente analisando a quantidade de oxigênio 12 e oxigênio 10 ou de hidrogênio 2 e 1 quando aquele gelo se formou", explica.
Além da técnica que estuda as camadas profundas de gelo, outros vestígios climáticos são levados em consideração na hora de se traçar o histórico climatológico da Terra. "Há técnicas que analisam os anéis dos troncos das árvores em busca de informações sobre o clima. Outros analisam as composições físico-químicas das camadas mais profundas do solo, ou o sedimento depositado no fundo dos oceanos", menciona Simões. "De posse desses dados, conseguimos determinar com uma precisão razoável o clima nos últimos 500 anos."
Diferença
Uma confusão feita por grande parte das pessoas diz respeito à diferença entre clima e tempo. As condições temporais, estudadas por meteorologistas, analisam intervalos de tempo muito curtos e localizados. Trata-se da determinação se vai chover ou não, ou qual a temperatura em uma região. Já o estudo do clima exige uma medição mais ampla, trabalha com médias de temperatura a cada 30 anos e reflete condições climáticas mais gerais. Atualmente, é possível determinar como era o clima na Terra nas últimas eras.