Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Criador da droga contra as leucemias aposta em terapias menos tóxicas

Entre os oncologistas responsáveis por enfrentar os mais diversos tipos de cânceres que atingem a produção das células sanguíneas, a medicina é dividida entre a.G e d.G: antes e depois do Glivec (mesilato de imatinibe). Essa droga revolucionou o tratamento das leucemias, devolvendo a esperança a pacientes cuja única opção, antes da medicação, era esperar pela morte. Milhares de pessoas ao redor do mundo devem suas vidas ao oncologista americano Brian Drucker ; que, diga-se de passagem, nunca recebeu um centavo pela descoberta. ;Esse nunca foi meu objetivo;, revelou Drucker, em uma entrevista ao jornal The New York Times. Em 1993, ele começou a perseguir um mecanismo que inibisse a ação da enzima BCR-ABL, responsável pela superprodução de células brancas no organismo. A obsessão valeu ao médico um casamento e um emprego em Harvard, mas, decidido a não deixar mais seus pacientes morrerem, Drucker foi atrás de laboratórios que bancassem sua ousada empreitada.

O oncologista enfrentou críticas, muitos ;nãos; e bastante descrença até conseguir testar, em 1998, sua droga. A produção de células brancas do paciente de 68 anos não apenas diminuiu. A BCR-ABL simplesmente parou de replicar. Foi um marco na história do tratamento do câncer. Como muitos pacientes, entretanto, mostraram-se resistentes à droga, Drucker trabalha, agora, em um novo medicamento destinado a sanar esse problema. Em entrevista ao Correio, o oncologista, sempre bem cotado para ganhar um Nobel de Medicina, se mostra otimista quanto ao futuro da batalha contra a doença: ;Cada um dos tipos de câncer pode ser derrotado;, acredita.

O senhor está trabalhando em outra droga atualmente. Acredita que será tão revolucionária quanto o mesilato de imatinibe?
De forma muito semelhante ao paradigma do Glivec, nós começamos tentando entender por que alguns pacientes se tornam resistentes à droga. O que descobrimos foi que a enzima alvo da substância desenvolvia muitas mudanças, as mutações, de forma que a droga não conseguia mais se juntar a esse alvo. Então, novas drogas podem atingir os genes mutantes e ;desligá-los;. Duas dessas drogas, tasigna e sprycel, já foram aprovadas pelo Food and Drug Administration (o órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos) para combater a resistência ao medicamento. Isso é, na verdade, bastante similar às drogas resistentes ao HIV. O que é criticamente importante é que precisamos ter em mente que a resistência a drogas pode e vai ocorrer e precisamos estar prontos para estudar como e por que isso ocorre, para evitá-la ou tratá-la.

Quando o senhor ganhou o prêmio Lasker (premiação considerada um ;pré-Nobel;), disse: ;Não há dúvidas de que podemos derrotar o câncer. O que necessitamos é de conhecimento. Quando entendermos o que está estragado, então poderemos consertar;. O senhor se referia à leucemia ou acredita que qualquer câncer pode ser derrotado?
Cada um dos tipos de câncer. Já existem exemplos de terapias-alvo em desenvolvimento para virtualmente cada câncer e muitas delas têm mostrado benefícios dramáticos. Os melhores exemplos são o inibidor B-RAF para melanoma, além do tarceva e do crizontinib para câncer de pulmão.

O que o senhor imagina a respeito das terapias do futuro para tratamento do câncer?
Nós veremos cada vez mais drogas que têm como alvo anomalias específicas que as células cancerígenas necessitam para seu crescimento e sobrevivência. Também veremos que o tumor de cada paciente será escaneado para encontrarmos essas anomalias e então a combateremos diretamente baseados nesse conhecimento. O resultado serão terapias mais efetivas e menos tóxicas, com o câncer se tornando uma doença muito mais fácil de se lidar.

Como médico e pesquisador, como o senhor lida com as expectativas dos pacientes que, às vezes, podem ser frustradas?
Os pacientes têm o direito de se frustrar. Precisamos de terapias mais efetivas e precisamos delas o mais rápido possível.

Dez anos e 50 novas drogas

; Carlos Tavares

Imatinib, ipilimumab, tensirolimus, sorafenib, devozumab, sipuleucel-T, abiraterona, bevacizumab. Eles têm nomes estranhos, mas fazem parte de uma família muito especial de drogas biológicas para vários tipos de câncer e que só foram produzidas porque o conhecimento das neoplasias deu um salto importante na última década. Apesar disso, as estatísticas apresentadas na semana em que se recorda a doença no Dia Nacional do Câncer, lembrado hoje, em todo o país, sombrios 518 mil novos casos no Brasil em 2012 nublam a luta e a perspectiva de vitória da ciência contra a enfermidade.

De todo modo, um arsenal de 50 novas drogas testadas, aprovadas e fabricadas nos últimos 10 anos em laboratórios de diversas partes do mundo assinalam um novo paradigma de combate à doença. Além disso, há outras 800 substâncias em teste, que poderão ampliar a
expectativa de se alcançar um maior controle da doença e proporcionar mais sobrevida ao paciente. ;Num período de 20 anos, o tratamento dos cânceres mudou muito, com as terapias-alvo a partir de drogas modernas e com menos efeitos colaterais;, diz o oncologista Celso Arrais, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

Na opinião do médico Paulo Hoff, presidente do Instituto do Câncer de São Paulo, houve um avanço em todas as áreas do conhecimento sobre o câncer, mas ainda não aconteceu um momento de grande ruptura, como o salto que foi dado há 20 anos. ;A expectativa é de que essa ruptura venha da individualização de terapias, de um maior conhecimento das células. Espero ver a cura de 80% a 90% dos casos. Já temos aí uma geração de sobreviventes;, lembra Hoff.

O Dia Nacional de Combate ao Câncer foi criado em 1988 para ampliar o conhecimento da população sobre o tratamento e a prevenção da doença. A data tem busca conscientizar as pessoas da doença. Segundo o Instituto do Câncer, os tumores de pulmão, de próstata e de mama são os mais frequentes.