Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Mudanças climáticas empurram o mundo a uma crise alimentar

PARIS - A expansão do crescimento populacional e as mudanças climáticas estão empurrando o planeta rumo a episódios de fome, que só uma revisão do sistema alimentar pode reverter, alertou esta quarta-feira (16/11) um painel de especialistas. "No ponto em que estamos no século XXI, temos um conjunto maior de ameaças convergentes", afirmou John Beddington, professor britânico que chefiou uma pesquisa de 9 meses, realizada pela entidade, composta por 13 membros.

"Há o crescimento populacional, o uso insustentável de recursos e grandes pressões sobre a humanidade para transformar a forma como usamos a comida", explicou Beddington por teleconferência. "Mas isto se vincula intimamente a questões de água e energia, e certamente com as mudanças climáticas", acrescentou.

Beddington disse que em 2007-2008, uma elevação nos preços dos alimentos empurrou 100 milhões de pessoas para a pobreza, e outros 40 milhões os seguiram na alta de 2010-2011. "Há uma preocupação real a respeito da fome e há consequências no nível em que o aumento nos preços dos alimentos causa instabilidade", afirmou.

A Comissão sobre Agricultura Sustentável e Mudanças Climáticas foi criada em fevereiro pelo Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na sigla em inglês), uma organização guarda-chuva, financiada por governos nacionais, organizações regionais e institutos de pesquisa.

Com base em estudos publicados, o painel oferece orientação sobre como produzir alimentos em um mundo cuja população deve saltar de 7 bilhões para mais de 9 bilhões em meados do século, com uma dieta que muda para um maior consumo de calorias, gordura e carne.

Durante este período, os gases estufa emitidos nas últimas décadas terão um efeito inevitável no sistema climático, aumentando o risco de secas e inundações. "O desafio que temos à frente globalmente é realmente bem difícil até mesmo de compreender", reconheceu Megan Clark, chefe-executiva da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), da Austrália.

"Precisamos aumentar a produção mundial de alimentos até 2050 entre 30% e 80% e reduzir nossas emissões [de carbono] pela metade", acrescentou. "Dito de outra forma, à medida que meus filhos forem envelhecendo nos próximos 60 anos, teremos que produzir tanta comida quanto foi produzida na história humana e, ao mesmo tempo durante este período teremos que aprender a cortar pela metade nossa taxa de emissões da agricultura", continuou.

O painel divulgou um resumo com sete recomendações e o relatório final será publicado no começo do ano que vem.

As propostas incluem um grande foco no controle dos resíduos, através da implantação de cadeias de abastecimento mais inteligentes, já que cerca de um terço da comida produzida para consumo humano se perde ou é desperdiçada ao longo do sistema alimentar global.

Métodos sustentáveis e apoio aos agricultores pobres e pequenos também foram promovidos. O uso excessivo de fertilizantes foi citado como um problema, bem como métodos que destroem as terras produtivas. "Estima-se que 12 milhões de hectares de terras agricultáveis e seu potencial de produzir 20 milhões de toneladas de grãos se percam anualmente devido à degradação do solo", disse Lin Erda, diretora do Centro de Pesquisas de Agricultura e Mudanças Climáticas da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas.

Perguntado qual deveria ser o papel de cultivos geneticamente modificados, Clark afirmou que "a comissão não escolhe vencedores com relação à agricultura". "Olhamos para os principais fatores que aumentarão a resiliência, a produtividade e o uso sustentável", disse Clark. "Realmente, chegamos à conclusão de que é preciso diversificar as respostas, da orgânica à genética", concluiu.