Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Análise de mosaicos mostra a opressão sofrida pelas mulheres da antiguidade

Aos homens, o império. Às mulheres, as tarefas domésticas e a culpa por todos os males. Assim era a vida na Roma Antiga, de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Carlos III de Madri, na Espanha, que analisou a representação feminina em mosaicos produzidos entre os séculos 2 d.C. e 5 d.C. O estudo desmente relatos ; todos feitos por homens ; da época, nos quais é sugerido que a mulher exercia um papel menos submisso, comparando-se a outras civilizações.


;Efetivamente, as fontes escritas testemunham certa capacidade de decisão e uma maior liberdade entre as mulheres da época imperial romana, designadamente as pertencentes aos estratos mais privilegiados da sociedade;, diz ao Correio Luz Neira, professora titular de história antiga do Departamento de Humanidades da universidade e autora do livro Representaciones de mujeres en los mosaicos romanos y su impacto en el imaginario de estereotipos femeninos. ;No entanto, a maioria das representações femininas nos mosaicos romanos não refletem essa verdadeira abertura e respondem a dois grupos de estereótipos bem diferenciados: o da esposa, mãe, filha e servente; ou o da amante, jovem, alegre e nua, incluindo em uma porcentagem menor a imagem de uma sensibilidade diferente, como as amazonas e as donzelas;, constata.


Segundo Neira, devido à falta de documentos escritos deixados por mulheres ; na Roma Antiga, quase todas eram analfabetas ;, não se pode afirmar se elas aceitavam passivamente o papel que lhes foi imposto. ;Não podemos afirmar com rigor o que pensavam as mulheres. Os mosaicos documentam a ideologia dos homens das elites, empenhados em reproduzir alguns estereótipos, aqueles que situam as mulheres no espaço doméstico, bem em uma atmosfera erótica e amorosa;, observa a historiadora.


Nos períodos republicano e imperial, as meninas se casavam por volta dos 12 anos, em uniões arranjadas pelos pais como forma de fazer alianças políticas e econômicas. No túmulo de uma criança chamada Veturia, uma inscrição diz que ela se casou aos 11 anos, teve seis filhos e morreu aos 27. ;Esperava-se que as mulheres tivessem muitas crianças, já que a mortalidade infantil era alta e nunca se sabia quantas chegariam à maturidade. Cornélia, a mãe dos Graco (os reformadores Caio e Tibério), deu à luz 12 bebês, mas apenas os dois rapazes e uma menina sobreviveram;, relata a pesquisadora Moya K. Mason, autora de um livro sobre o assunto.


De acordo com ela, as famílias aristocráticas preferiam filhos homens, que carregavam com eles seu nome e linhagem, e esperavam que as noras ficassem perpetuamente grávidas. ;A infertilidade era motivo de divórcio;, conta. Já as mulheres das classes mais baixas não deveriam ter muitos filhos, por causa da dificuldade de sustentá-los. ;Ainda assim, os maridos delas desejavam bebês do sexo masculino, tanto para levar o sobrenome da família quanto para ajudá-los no trabalho de campo;, relata.

Educação

Em casa, as garotas recebiam alguma educação informal, e aprendiam a ler e escrever, principalmente para aprender sobre a história da gloriosa Roma. Porém, mulheres muito instruídas eram consideradas uma afronta. ;Elas ficavam em casa tendo filhos, enquanto seus contemporâneos praticavam oratória ou estudavam filosofia no exterior, principalmente em Atenas;, afirma Mason.


A pesquisa da representação feminina em mosaicos confirma esses estereótipos e incluem também a ideia de que mulheres eram responsáveis pela ;perdição; dos homens, sempre lascivas e interesseiras. A espanhola Luz Neira conta que seu estudo faz parte do projeto Sociedade e Economia nos Mosaicos Hispano-Rromanos II, do Programa Nacional de Humanidades da Comissão Interministerial de Ciência e Tecnologia da Espanha.


;Esse programa convida à reflexão sobre o significado das representações artísticas e sua relação com a ideologia das elites no Império Romano;, diz Neira. ;Tendo em conta que, originalmente, os mosaicos enfeitavam as casas dos membros mais privilegiados da sociedade, cuja opinião era fundamental na escolha das cenas e dos motivos, podemos dizer que a representação feminina era algo premeditado e consciente;, afirma.

Troca de poder

O Império Romano teve início em 27 a.C., quando um golpe de Estado resultou no assassinato do último cônsul, César, e o fim da República. Depois de muitas guerras civis, o poder ficou nas mãos do sobrinho e filho adotivo de César, Otávio Augusto, que diminuiu o poder do Senado, restruturou o modelo de cobrança de impostos, realizou muitas obras públicas e incentivou as artes. O Império, caracterizado pela política do pão e circo, só foi cair em 14 d.C., com a queda de Constantinopla.