Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Polidez excessiva pode trazer problemas profissionais, diz pesquisa

Gláucia Chaves - Especial para o Correio

Responda rápido: o que você faz quando alguém pede a sua opinião e você sabe que tem uma posição contrária à da pessoa? Diz exatamente o que pensa de maneira direta ou prefere adotar uma postura neutra, dosar as palavras e evitar possíveis conflitos? Se você faz parte do segundo time, saiba que o ;excesso de educação; pode não ser uma saída assim tão segura. Segundo um estudo feito por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica e da Universidade de Toulouse, ambas na França, e da Universidade do Queen, no Canadá, ser polido o tempo inteiro até ajuda a evitar polêmicas, mas, em contrapartida, pode ter como resultado mal-entendidos, informações imprecisas e prejuízos.

Pedro Henrique Gomes, 24 anos, admite não gostar de conflitos. Tímido, ele prefere guardar suas opiniões e muitas vezes abre mão de expor sua opinião sobre determinado assunto. ;Se a pessoa cortou o cabelo e está satisfeita com aquilo, para que estragar a felicidade dela?;, exemplifica. O receio de criar polêmica é tanto que o silêncio permanece até em situações em que ele pode ter prejuízos. ;Acontece sempre de furarem a fila na minha frente. Já dei até carona para pessoas que eu não conhecia, chegando a mudar meu caminho de sempre;, enumera. Temas delicados, que terminem logo. ;Muitas vezes, falo que concordo para deixar morrer o assunto. Não vejo por que discutir.;



O jovem não está sozinho. Segundo a pesquisa feita pelos especialistas franceses e canadenses ; publicada este mês no periódico especializado Current Directions in Psychological Science ;, o comportamento de Pedro é parecido com o da maioria das pessoas, principalmente em situações-limite. Quanto mais delicado o assunto, mais difícil escapar de respostas evasivas. Jean-François Bonnefon, um dos responsáveis pelo estudo, explica ao Correio que as estratégias educadas são usadas quando há chance de magoar, irritar ou constranger alguém próximo, como amigos, cônjuges ou chefes. ;As pessoas tendem a fazer isso também quando o outro ocupa uma posição de poder ou é alguém que não conhecem bem;, detalha o psicólogo.

Uma das explicações para a adoção da estratégia é um misto de altruísmo e autopreservação. Não dizer a verdade é uma tentativa de não magoar o outro e, ao mesmo tempo, evitar problemas que a honestidade pode trazer. ;Também levamos em consideração que a ambiguidade oferecida pela educação pode gerar benefícios para todas as partes envolvidas;, acrescenta Bonnefon.

O problema é que, ao agir assim, a pessoa coloca sua credibilidade em risco. Os outros podem ficar em dúvida se ela costuma ser sincera ou apenas educada. Para chegar a essa conclusão, Bonnefon e sua equipe pediram a mil voluntários que imaginassem situações hipotéticas em que a falta de precisão poderia ser prejudicial. Em uma delas, por exemplo, um médico dizia a eles que ;possivelmente; enfrentariam períodos de insônia durante o próximo ano. O resultado foi praticamente um consenso: 83% afirmaram que o uso da palavra possivelmente os impedia de saber se teriam ou não problemas para dormir. Outros exercícios semelhantes foram feitos e os pesquisadores notaram que a maioria dos voluntários parou de acreditar nos prognósticos simplesmente porque não eram claros o suficiente.

Perigo
E o discurso com muitos rodeios pode ser ainda mais prejudicial em situações que exigem decisões rápidas ou no ambiente corporativo. ;Nessas horas, a qualidade da informação é crucial;, diz Bonnefon. ;Uma decisão racional baseada em informações erradas certamente não será das melhores.; A pedagoga Rosana Fernandes da Silva, 27 anos, lembra-se bem de uma oportunidade perdida devido à falta de assertividade. Certa vez, ao se candidatar a uma vaga de estágio, o entrevistador relatou uma situação problema da empresa. À medida que a história se desenrolava, ela percebeu que seria a hora de dar sua opinião sobre o assunto. ;Estava muito nervosa naquele momento. Me deixei levar pela insegurança e pelo medo de dizer o que eu sabia e assim não consegui atender às expectativas;, relembra.

Entre as situações de risco mencionadas no estudo, está a realidade dos pilotos de avião e controladores de voo. Para esses profissionais, a falta de comunicação adequada pode ser fatal. Mas o que fazer para tornar as informações menos turvas? Uma alternativa destacada pelo pesquisador e adotada em várias companhias aéreas é o curso de noções de assertividade (ou a capacidade de transmitir mensagens claras), realizado na maioria dos exames admissionais para as empresas.

Instrutor-chefe da Webfly Aviation Training, Rodrigo Rocha conta que o segredo para não correr o risco de ser mal interpretado é priorizar a espontaneidade e frear o artificialismo. ;A polidez espontânea, que é o resultado da bagagem de experiências e valores que acumulamos desde a infância, dificilmente vai redundar em problema;, defende. Para Rocha, que também é diretor executivo da Associação Brasileira de Gestão de Aviação Civil (Abgac), ser assertivo não quer dizer falar a verdade e somente a verdade o tempo inteiro, mas agir com empatia no contexto do processo de comunicação interpessoal. ;Falar a verdade é bom, mas saber como transmitir a verdade de forma conveniente é melhor ainda.;

De acordo com Cláudio Pelizari, consultor de etiqueta empresarial, ser assertivo no local de trabalho não envolve apenas dizer as coisas de forma clara. ;É preciso ter também presença, que está relacionada com a comunicação não verbal.; Além de transmitir autenticidade, Pelizari diz que há outras vantagens significativas para os sinceros, como a capacidade de gerenciar conflitos e conquistar a confiança dos colegas e chefes.

Carlos Afonso Miranda, 58 anos, segue a cartilha ensinada por Pelizari à risca. Sincero, o engenheiro mecânico conta que dizer o que pensa faz parte de seu estilo de vida. ;Se não gosto de uma coisa, eu falo. Mas não gosto de barraco;, pondera. E nem seu chefe escapa. Ao receber um comunicado com instruções com que não concordava, Miranda não titubeou e respondeu com as correções que achava necessárias. Como resultado da intervenção, novas orientações foram enviadas para todos com as modificações sugeridas. ;Tem horas que você tem que ser enérgico, afinal, você tem uma responsabilidade;, defende.

Acidente
No estudo, os pesquisadores citam um capítulo do livro Outliers: a história do sucesso, de Malcolm Gladwell, no qual é descrito um acidente de avião causado por excesso de polidez. ;Veja quanto gelo está se acumulando ali, está vendo?;, disse um oficial, ao tentar avisar sobre uma perigosa camada de gelo presa na asa da aeronave. O comentário foi repetido por outros dois membros da tripulação, igualmente imprecisos e educados. Os avisos foram subestimados por não transmitirem a urgência necessária, e o avião caiu momentos depois.