Uma equipe de 62 pesquisadores, entre os quais alguns brasileiros, revelou esta semana a ;cara; de um objeto celeste que está nos confins do Sistema Solar. Éris, planeta-anão a cerca de 15 bilhões de quilômetros da Terra, tem tamanho e massa semelhantes aos do vizinho Plutão. Sua superfície, porém, intrigou os cientistas: ao analisar a luz do Sol refletida, eles concluíram que Éris é branco, algo incomum para corpos tão distantes das estrelas. E esse não é o único mistério que os astrônomos têm para resolver. O planeta-anão é considerado também uma espécie de fóssil da região, e seu estudo pode trazer novos dados sobre a formação do Sistema Solar.
Éris foi descoberto em 2005 e passou por uma ;crise de identidade; até que a ciência conseguisse mais informações sobre sua composição. Foi chamado de décimo planeta (acreditava-se que ele era maior que Plutão) e somente no ano passado teve o diâmetro estimado. Como não existem telescópios potentes o bastante para enxergar o que há na superfície de Éris, as pesquisas dependem do acontecimento de um evento astronômico raro. Conhecido como ocultação estelar, ele ocorre quando o planeta-anão se põe em frente a uma estrela já analisada pela astronomia. ;Como em um eclipse solar, o objeto projeta uma sombra sobre a Terra, e essa sombra se move à medida que o objeto se desloca no céu;, explica o pesquisador Felipe Braga Ribas, coautor do artigo publicado na edição de ontem da revista Nature.
O tal fenômeno ocorreu em 6 de novembro do ano passado, quando o Éris ocultou uma estrela fraca da constelação Baleia. Chegar à data, contudo, foi uma das tarefas mais difíceis para a equipe, que inclui pesquisadores de países da Europa e da América Latina. ;Prever um evento desse tipo é muito difícil, pois as posições da estrela e do planeta-anão não são conhecidas com a precisão necessária;, diz Ribas. ;Estamos tentando avaliar esse tipo de coisa há 10 anos e, até agora, observamos apenas duas ocultações;, comenta Roberto Vieira Martins, pesquisador do Observatório Nacional e um dos líderes do estudo.
Para contornar o problema, os astrônomos formam uma verdadeira rede de colaboração, que conta, inclusive, com a ajuda de amadores. Dessa vez, eles reuniram o potencial de 26 telescópios, embora o evento só tenha sido visível em duas estações chilenas. No Brasil, o mau tempo prejudicou a observação do fenômeno ; que dura cerca de 10 minutos, mas é capaz de fornecer uma imensa quantidade de dados. Por meio de uma técnica chamada de fotometria rápida, os cientistas medem o fluxo de luz emitido pela estrela antes, durante a após a ocultação. ;De cada telescópio, obtivemos uma medida que chamamos de corda. Com duas ou mais cordas, conseguimos determinar o tamanho e a forma do planeta-anão com uma acuidade muito superior à de qualquer outra técnica observacional;, destaca Felipe Ribas. Além disso, a equipe conseguiu identificar a composição do Éris: primordialmente, gelos de nitrogênio e metano, tal qual o irmão Plutão.
Branco misterioso
A análise da composição e da luminosidade também permitiu que os cientistas identificassem a cor do objeto. ;Percebemos que ele é branco, brilhante, o que é muito estranho para corpos celestes que estão longe do Sol e sob baixas temperaturas;, conta o pesquisador Roberto Martins. Em geral, mesmo que uma névoa surja devido ao congelamento de gases na superfície, ela tende a escurecer por causa da radioatividade presente no espaço. Essa transformação é verificada em outros planetas ou mesmo por meio de experiências em laboratório. ;A única maneira de explicar a brancura de Éris é que ela tenha saído de dentro do planeta, como um vulcão;, supõe o especialista.
O mais curioso é que o ;fenômeno branco; também existe em um asteroide encontrado na mesma região de Éris e descrito no ano passado. O local, batizado de cinturão transnetuniano, abriga os objetos para além de Netuno, o oitavo e último planeta do Sistema Solar. Daquele lado, estão Éris e Plutão (tido como planeta durante mais de 70 anos), além de outros asteroides, cometas e, talvez, mais planetas-anões. ;Cada vez mais, os astrônomos descobrem coisas no cinturão. Como a área está muito distante do Sol, pode haver vários corpos celestes ainda desconhecidos, uma vez que eles refletem pouca luz;, aponta o professor Roberto Costa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).
E o desconhecido não é o único atrativo da região. No cinturão transnetuniano, estão os objetos mais frios e, consequentemente, os que conservaram as propriedades físicas do início da formação do Sistema Solar. ;Eles são como fósseis, o material do qual são formados deve ter a mesma característica da nebulosa que deu origem ao Sistema Solar;, afirma o pesquisador Felipe Ribas. ;Esses corpos são a maneira mais viável de estudar o que aconteceu 4,5 bilhões de anos atrás;, reforça o professor da USP. Os cientistas esperam aumentar a compreensão sobre esse lado ;obscuro; do espaço com a chegada da sonda New Horizons, lançada em 2005 e com previsão de chegada a Plutão daqui a quatro anos. Até lá, os pesquisadores seguirão olhando para o céu em busca de respostas.
Onde começa o fim?
O Sistema Solar não é como um país, com fronteiras definidas por construções ou por lagos e montanhas, por exemplo. Assim, não há um marcador que indique onde o ;bairro; espacial chegou ao fim. Os astrônomos costumam dizer que o Sistema Solar acaba onde terminam os efeitos do Sol ; não a luz solar, e sim os ventos solares, que lançam partículas por toda a região a sua volta.
Planeta da discórdia
Foi a descoberta de Éris que fez com que os cientistas revissem a classificação de Plutão. Como os dois corpos são praticamente do mesmo tamanho, a União Astronômica Internacional (UAI) decidiu identificá-los como planetas-anões. O ;rebaixamento; de Plutão foi questionado por alguns astrônomos (coincidentemente, Éris é o nome da deusa grega da discórdia). Além da dupla, há outros três objetos desse tipo no Sistema Solar: Makemake, Haumea e o grande asteroide Ceres.