No fim de setembro, a atenção de muitos cientistas se voltou para o céu. Não foi por causa da passagem de um cometa ou de um asteroide, muito menos devido a algum fenômeno meteorológico. A razão da preocupação de parte da comunidade científica foi a queda sobre a Terra do satélite desativado Uars. O evento, que muitos podem achar isolado e incomum, tende a se tornar cada vez mais frequente nos próximos anos. A órbita terrestre se tornou um verdadeiro lixão: estima-se que pelo menos 23 mil pedaços de equipamentos ; como os de sondas e de observatórios espaciais ; flutuam atraídos pela gravidade terrestre, danificando satélites em uso e, em alguns casos, caindo sob a superfície do planeta. Entre o fim de outubro e o início de setembro, outro fenômeno parecido deve ocorrer: o satélite Rosat deve ser o próximo a despencar do céu.
Se, quando o Uars caiu, a chance de alguém na Terra ser atingido era pequena (cerca de uma em 3,2 mil), o Rosat é um pouco mais ameaçador. Embora continue improvável que alguma pessoa seja vitimada pelo objeto, a possibilidade agora é de 2 mil. Desligado em 1990, o equipamento alemão é grande o suficiente para que algumas de suas peças ; em especial, os painéis solares, fabricados para resistir a altas temperaturas ; suportem o calor e o atrito durante a reentrada na Terra e caiam no solo ou no mar, em um lugar impossível de ser determinado. Segundo o Centro Aeroespacial da Alemanha (DLR, na sigla em alemão), 30 partes, pesando 1,6 toneladas, devem cair na superfície terrestre (veja infografia).
Quem fica aflito com esse tipo de evento deve se acostumar. Desde que o Sputnik, o primeiro objeto espacial da história, foi lançado, em 4 de outubro de 1957, centenas de milhares de outros equipamentos foram mandados para o céu, proporcionando avanços como telecomunicações via satélite ou o estudo de outros planetas e galáxias, invisíveis da Terra. ;O problema é a maneira com que esses equipamentos são administrados. Normalmente, usa-se sua energia até o fim, simplesmente abandonando-os logo que eles param de funcionar;, conta José Monserrat Filho, chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). ;Não existe a preocupação de se utilizar o resto do combustível desses equipamentos para levá-los para as órbitas-cemitério (nas quais os objetos passam a não ter mais chance de cair na Terra ou de atingir outros equipamentos);, completa.
Agora, essa crescente massa de material corre o risco de atingir equipamentos que estão em uso, e em alguns casos, despencar sobre a Terra. Além disso, a grande quantidade de peças provoca colisões de umas com as outras. ;Isso faz aumentar o número de objetos, tornando mais difícil o seu monitoramento;, lamenta Monserrat. ;Existem 23 mil peças com mais de 10cm. Se considerarmos aquelas com o tamanho menor que esse, o número passa para centenas de milhares, algo quase incalculável;, completa o especialista em direito espacial.
Sem opções simples
Entre as soluções possíveis, nenhuma é rápida, simples ou barata. A mais importante delas seria a construção de algum equipamento que recolhesse todo esse lixo e depois o trouxesse para a Terra ou o enviasse para as órbitas-cemitério. Ainda não existe nem está em desenvolvimento, contudo, nenhum equipamento com essa capacidade. Outra alternativa seria a fabricação de armas capazes de queimar essas peças, iniciativa que esbarra em uma série de empecilhos técnicos, como a quantidade e o tamanho dos detritos espaciais.
Independentemente de qual iniciativa seja desenvolvida, não será fácil e, principalmente, barato consertar 54 anos de ;abandono; da limpeza espacial. ;Alguns especialistas acreditam que, para limpar o espaço, seria necessário mais dinheiro do que foi gasto para colocar todos os equipamentos que estão lá agora. Tudo que possa ser feito terá que ser de modo cooperativo. Nenhuma nação tem capacidade de lidar com isso sozinha;, conta Monserrat. Para ele, a complexidade do problema passa também por soluções não tecnológicas. ;Não se trata apenas de inventar um equipamento. Os países têm que se reunir e criar regras para que se tenha menos lixo no espaço, desenvolvendo projetos que não gerem tanto lixo, e que o gerado seja tratado de alguma forma;, completa.
Para complicar ainda mais a situação, o problema emerge justo em um momento em que a exploração está em baixa. As recentes crises econômicas forçaram ao governo dos Estados Unidos, por exemplo, a cortar drasticamente o orçamento da Nasa, levando inclusive à aposentadoria dos ônibus espaciais e, com isso, acabando com a capacidade operacional de levar pessoas ao espaço. Na Europa, outro pólo aeroespacial, o orçamento das agências espaciais vem diminuindo, deixando na mão de poucos países, como a China e a Rússia, a possibilidade de qualquer tipo de ação.
Assim, os especialistas acreditam que uma solução não deve surgir num futuro próximo. ;Os EUA planejam para as próximas décadas retomar a exploração espacial, inclusive com o apoio de empresas privadas, que estão desenvolvendo suas próprias tecnologias de viagem ao espaço;, afirma Maria Bogea Thome, presidente no Brasil da National Space Society, uma organização internacional de apoio à exploração do cosmos. ;Talvez quando isso acontecer haja melhores condições de a questão do lixo espacial começar a ser resolvida. Antes disso, acho difícil que algo concreto aconteça;, opina. Até lá, notícias como a da queda da Uars e do Rosat já terão ficado corriqueiras.
Devolução obrigatória
Quem achar um pedacinho de qualquer equipamento espacial não deve esperar ficar rico com a venda dessas relíquias. Um tratado internacional do qual o Brasil é signatário desde 1968, quando a exploração espacial começou, afirma que todo equipamento desse gênero que porventura for encontrado, é de propriedade do país que o produziu, e portanto deve ser devolvido à sua região de origem.