Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Começa o anúncio dos vencedores do tradicional prêmio da ciência, o Nobel

Em 110 anos de existência, o prêmio foi concedido a 817 pessoas e 23 organizações



Hoje, talvez antes mesmo de você ler esta matéria, um pesquisador da área médica receberá uma ligação telefônica que o colocará na lista dos maiores cientistas do planeta. O presidente da Fundação Alfred Nobel, Marcus Storch, informará a esse cientista de que ele é vencedor do Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2011, dando início, assim, à entrega das honrarias da 110; edição de uma das mais importantes premiações do mundo. Mais do que um diploma, uma medalha e uma boa quantia em dinheiro, a distinção dá ao agraciado o reconhecimento de ter colaborado significativamente para o avanço da humanidade.

Nas 11 décadas de existência, o Nobel se consolidou como a mais respeitada honraria científica. Para Annika Pontikis, representante da Fundação Alfred Nobel, três razões principais explicam tanto prestígio. ;O Nobel foi o primeiro prêmio verdadeiramente internacional, numa era de nacionalismo feroz. Além disso, o valor monetário dado aos vencedores era muito grande;, conta ela ao Correio ; em 1901, 1 milhão de coroas suecas, mesma quantia dada aos vencedores até hoje, representava em média 20 vezes o salário anual de um pesquisador.

A terceira razão é a forma como os laureados são definidos, prossegue Annika. Ao contrário do que alguns imaginam, não é a Fundação Nobel que escolhe os ganhadores. Enquanto os laureados de química e física são apontados pela Real Academia Sueca de Ciências, os de medicina são indicados pelo Instituto Karolinska, um dos principais centros médicos da Europa. À Academia Sueca cabe a escolha do Nobel de Literatura, e ao Banco Central do país, o de economia. Já o Nobel da Paz, único que não é diretamente ligado à ciência ou às artes, é decidido fora da Suécia, pelo Parlamento da Noruega.

A decisão de Alfred Nobel em instituir o prêmio foi quase por acaso. Químico industrial e inventor da dinamite, ele tornou-se um multibilionário, mas ganhou a má fama de ter criado o ingrediente das bombas. Assim, o sueco decidiu em seu testamento deixar todo o dinheiro que tinha ganhado para uma fundação que concederia um prêmio às maiores pesquisas de física, química e medicina ou fisiologia. Deveriam ser premiados também um grande escritor e uma personalidade que contribuísse para a solução dos conflitos mundiais.

Um prêmio dedicado à economia nunca esteve nos planos do químico industrial sueco. A honraria a quem produz grandes feitos na área econômica é, na verdade, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, instituído em 1968 pelo Banco Central da Suécia, que escolhe o agraciado e patrocina a distinção. A premiação também é entregue pela Fundação Nobel, que dá aos vencedores o mesmo status das demais categorias.

Não existe uma explicação oficial para o fato de estudos matemáticos não serem contemplados. Uma das teorias é de que uma mulher a quem Nobel teria proposto casamento o teria rejeitado para ficar com um matemático, fato nunca confirmado por biógrafos. Outros historiadores afirmam que a inexistência dessa categoria se deve ao fato de o próprio criador do prêmio não se interessar pela matéria.



Tradição

Apesar de o anúncio dos vencedores começar hoje, os laureados só receberão seu prêmio durante um banquete em 10 de dezembro, data de aniversário da morte de Alfred Nobel. Essa é uma de várias tradições que cercam a premiação. O Nobel de Literatura, por exemplo, não será anunciado nos próximos dias, mas em data posterior, ainda a ser divulgada. Também é tradição nunca conceder prêmios póstumos, já que um dos objetivos é ajudar no trabalho do agraciado.

Outra regra diz que, a cada ano, no máximo três pessoas podem ser vencedoras na mesma categoria. O objetivo, segundo a fundação, é não reduzir muito o valor do prêmio. Além disso, as instituições responsáveis pela escolha dos laureados podem decidir não conceder o dinheiro a ninguém. Isso aconteceu em 50 premiações, a maioria delas durante as duas grandes guerras, quando as entregas foram suspensas.

Até hoje, foram entregues 543 prêmios a 817 pessoas e 23 organizações. Os Estados Unidos são os grandes vencedores, com 270 prêmios dados a 323 pessoas. Em seguida vem o Reino Unido, com 100 prêmios a 117 laureados; e a Alemanha, com 107 agraciados.

O Brasil nunca recebeu a honraria, apesar de ter sido indicado diversas vezes. Zilda Arns foi lembrada em 2001, 2002, 2003, 2005 e 2006 ao Nobel da Paz, em razão da fundação da Pastoral da Criança. Já a química Johanna D;bereiner recebeu uma indicação em 1996 por seus trabalhos que ajudaram o desenvolvimento da soja no Brasil. Além das duas, o médico sanitarista Carlos Chagas foi indicado quatro vezes, por ser o único cientista a identificar todo o ciclo de uma doença ; o mal de Chagas. Entretanto, na época, dificilmente o Nobel era dado a alguém que não fosse europeu ou norte-americano.

Atenção
Independentemente da nacionalidade, os vencedores afirmam que uma das principais mudanças trazidas pelo prêmio é a atenção que seus trabalhos passam a merecer. ;Uma das coisas que eu faço muito mais do que fazia antes de ser premiado é viajar. Eu recebo muitos convites maravilhosos e tenho a chance de falar com estudantes, com o público em geral e com outros pesquisadores que trabalham na mesma área que eu;, conta ao Correio o norte-americano Martin Chalfie, que venceu o prêmio de química em 2008 pela descoberta e desenvolvimento da proteína verde fluorescente. ;Mas não muda tudo. Eu acho que obter subsídios financeiros e artigos aceitos em periódicos certamente não se tornou mais fácil; talvez esteja até um pouco mais difícil.;

A visão de que o reconhecimento aumenta, mas a vida científica continua difícil, é compartilhada por John Mather, cosmólogo da Nasa que em 2006 venceu o Nobel de Física em razão da descoberta da forma de corpos negros e da anisotropia da radiação cósmica de fundo, conhecimento que ajudou a entender detalhes do big-bang. ;Eu recebo convites para viajar e falar e pedidos de entrevistas quase todos os dias, mas meu trabalho diário profissional é o mesmo de antes;, diz à reportagem.

Não que isso signifique que eles não consideram o prêmio importante. ;Há muitos prêmios com grandes quantidades de dinheiro, mas há apenas um Nobel. A Fundação Nobel trabalha duro para tornar as descobertas científicas disponíveis ao público;, opina Mather. ;O Nobel reconhece a importância da realização humana e lembra a importância do trabalho, seja nas ciências, na literatura, na economia ou em direção à paz;, completa Chalfie.


Argumentação
O processo de indicação começa após o anúncio dos vencedores. Até fevereiro, agraciados, governos e parlamentares podem enviar para a Fundação Nobel um relatório expondo as razões para que o prêmio seja concedido a seus indicados. Esse relatório é analisado pelas entidades responsáveis pela escolha, que tomam a decisão até setembro.



CURIOSIDADES
Clube do Bolinha
O pouco espaço dado à mulher na ciência, na política e nas artes se reflete no célebre prêmio. Enquanto 773 homens receberam a láurea, apenas 40 mulheres tiveram a mesma honra. Foram duas premiações em física, quatro em química, 10 em medicina, além de 12 em literatura e paz. Em 2009, a norte-americana Elinor Ostrom se tornou a primeira e única a ser premiada em economia, por sua análise da governança econômica, especialmente dos bens comuns.

Repetiram o feito
Apesar de não ser frequente, nada impede que uma mesma pessoa ganhe o prêmio mais de uma vez. O norte-americano John Bardeen recebeu duas vezes o Nobel de Física: em 1956, pela descoberta do transistor, e em 1972, pelo desenvolvimento da teoria da supercondutividade. Seu conterrâneo Linus Pauling fez o mesmo. Ganhou em química, em 1954, em razão do estudo das ligações entre os átomos, e o da paz, em 1962 , por sua campanha contra os testes nucleares. Já o britânico Frederick Sanger recebeu o Nobel de Química de 1958, por ter determinado a estrutura molecular da insulina, e novamente em 1980, por estudos sobre o DNA.

Para todas as idades
Pelo menos quando o assunto é idade, o Nobel é bastante democrático. Em 1915, aos 25 anos, o australiano William Lawrence Bragg entrou para a história por ser o mais jovem a receber o prêmio, em física, pela análise da estrutura cristalina através da difração de raios X. Noventa e dois anos depois, em 2007, o norte americano Leonid Hurwicz tornou-se o mais velho laureado. Aos 90 anos, ele ganhou em economia, pelo desenvolvimento das bases da teoria econômica do desenho de mecanismos.

Em família
Os Curie são, sem dúvida, a família mais importante do Nobel. O casal Pierre e Marie ganhou a honraria na área da física, em 1903, pela descoberta da radioatividade. Oito anos depois, em 1911, Marie se tornou a primeira ; e única ; mulher a receber o prêmio pela segunda vez. Nesse caso, o de química, em função do descobrimento dos elementos rádio e polônio. O terceiro prêmio do clã foi dado à filha do casal, Ir;ne, e a seu marido, Frédéric, em 1935, que juntos descobriram a existência do nêutron e da radioatividade artificial.

Não, obrigado
Em dois momentos diferentes, os agraciados recusaram a honraria. Em 1964, Jean-Paul Sartre não aceitou o Nobel de Literatura ; como já havia feito com todos os prêmios que haviam tentado lhe dar ;, por acreditar que ;nenhum escritor pode ser transformado em instituição;. Já em 1973, o vietnamita Le Duc Tho recusou dividir o Nobel da Paz com o então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, pelas negociações de paz no Vietnã. Tho disse não ao prêmio como protesto contra a situação em que seu país se encontrava após a guerra.

Impedidos de aceitar
Em outras situações, questões políticas forçaram os laureados a não aceitar o prêmio. Adolf Hitler proibiu três alemães ganhadores do Prêmio Nobel ; Richard Kuhn (química, 1938), Adolf Butenandt (química, 1939) e Gerhard Domagk (medicina, 1939) ; de receberem o Nobel. Todos eles puderam mais tarde receber o diploma e a medalha, mas não o valor em dinheiro. Boris Pasternak, Nobel de Literatura de 1958, inicialmente aceitou a láurea, mas mais tarde foi coagido pelas autoridades da União Soviética, seu país natal, a recusá-lo.

Instituições pacificadoras
No caso do Nobel da Paz, organizações também podem receber a láurea. Até hoje, 20 organizações receberam o prêmio. A Agência das Nações Unidas para Refugiados foi premiada em 1954 e 1981. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em três ocasiões: 1917, 1944 e 1963.

Prisioneiros reconhecidos
Em três situações os ganhadores do Nobel da Paz estavam presos quando foram reconhecidos: o pacifista alemão Carl von Ossietzky (1935), detido pelo regime nazista; a política birmanesa Aung San Suu Kyi (1991); e o ativista de direitos humanos chinês Liu Xiaobo, laureado no ano passado.

Brasil (quase) nunca levou
O Nobel nunca foi concedido oficialmente a um feito nacional. Entretanto, um brasileiro, pouco conhecido por aqui, recebeu o prêmio. Peter Brian Medawar, nascido no Rio de Janeiro, ganhou na categoria medicina, pelo Reino Unido, em 1960, por suas pesquisas relacionadas à imunidade adquirida, feitas no University College of London. A honraria foi dada a países latino-americanos 15 vezes.