Segundo os romanos, Mercúrio era a divindade responsável por transmitir as mensagens entre os humanos e os deuses. Entretanto, o planeta que leva o seu nome não é tão comunicativo: pouco se sabe sobre a pequena bola que gravita bem próxima do Sol. Cabe, agora, a uma sonda que leva justamente o nome de Mensagem (ou Messenger, em inglês) ajudar os cientistas da Terra a entender o que se passa na atmosfera do menor planeta do Sistema Solar.
Lançada da Terra em 2002, depois de uma rápida passagem por Vênus ; por onde a sonda passou em sua rota ; a Messenger entrou na atmosfera de Mercúrio em março deste ano. As primeiras informações enviadas pelo equipamento renderam um especial de sete artigos na edição de hoje da Science, com novidades sobre aspectos importantes da superfície, atmosfera e formação do pequeno planeta.
Trata-se da primeira vez que um equipamento terrestre observa tão de perto o planeta desde 1975, quando a Mariner 10 foi enviada, também pela Nasa, a agência espacial norte-americana. ;A Mariner 10 trouxe resultados que abriram o caminho para o futuro;, conta em entrevista ao Correio Brian Anderson, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA. ;Chegamos a esse futuro agora. Eu nunca vou esquecer ter visto as primeiras imagens do lado de Mercúrio nunca tinha sido visto até então. E essa emoção retorna toda vez que descubro algo novo, que nos ajuda a entender mais plenamente Mercúrio;, completa o cientista.
As imagens e informações enviadas pela Messenger ajudaram a desconstruir alguns mitos que existiam em relação ao planeta. ;O velho pensamento era o de que Mercúrio seria bastante semelhante à Lua;, explica o pesquisador David Blewett, colega de Anderson. ;No entanto, essa noção está se mostrando espetacularmente errada. Na verdade, Mercúrio é radicalmente diferente da Lua em quase todos os sentidos que podem ser medidos.;
Entre as descobertas relacionadas ao corpo com cerca de um terço do tamanho da Terra, está o fato de que houve uma intensa atividade vulcânica durante sua formação. Essas atividades geraram no relevo mercuriano algo totalmente diferente de tudo que já foi observado em qualquer planeta conhecido dos seres humanos. ;São depressões que aparecem de forma irregular e variam muito em tamanho, indo de algumas dezenas de metros a alguns quilômetros de diâmetro. Muitas vezes, ocorrem em grandes grupos que se sobrepõem;, conta Blewett.
As formações intrigam os cientistas, pois, ao contrário das crateras existentes na Terra, na Lua ou e em outros planetas, as mercurianas não foram formadas por meteoros ou pela queda de algum corpo espacial. ;Os buracos todos parecem ser recentes, e não vemos qualquer sinal de terem sido causados por algum tipo de impacto;, relata o pesquisador norte-americano. ;Assim, eles podem ser muito jovens e poderiam até mesmo estar se formando hoje. Essa é uma possibilidade fascinante sobre um planeta cuja evolução geológica se pensava anteriormente ter terminado há muito tempo.;
Campo magnético
Outra descoberta intrigante está relacionada ao dínamo de Mercúrio ; um complexo sistema de calor e energia que possui implicações na estrutura e no magnetismo do corpo celeste. ;Na superfície do planeta, o campo magnético da Terra é aproximadamente 100 vezes mais forte do que na superfície de Mercúrio. Isso tem implicações importantes para o dínamo do planeta;, conta Blewett. Os cientistas descobriram que o campo magnético de Mercúrio é mais deslocado para o norte do que o de qualquer outro planeta . ;Não sabemos como explicar isso ainda. Alguns cientistas ficam irritados quando os resultados não se enquadram nas suas expectativas, mas pessoalmente acho que é particularmente excitante, porque significa que estamos prestes a aprender algo novo;, entusiasma-se.
A curiosidade dos especialistas em relação ao planeta se deve a sua origem. Planetas como Marte e a Terra tiveram suas superfícies muito alteradas pela ação do vento, da água, e de geleiras, o que dificulta o estudo dos processos geológicos fundamentais que afetaram os seus primórdios. ;Mas em mundos menores, como a Lua, Mercúrio e os asteroides, podemos estudar o impacto de crateras, vulcanismo e os processos tectônicos preservados e não afetados por esses outros processos que aconteceram em Marte e na Terra;, conta Anderson.
O pesquisador lembra que, por ser o planeta mais próximo do Sol, Mercúrio é uma espécie de ;âncora; em uma extremidade do Sistema Solar. ;A fim de descobrir, em geral, como os planetas se formaram, precisamos entendê-lo;, afirma Anderson, para quem essas descobertas podem dizer muito sobre a Terra. ;Se quisermos entender como os planetas chegaram ao seu estado atual, teremos de olhar para Mercúrio e ler nele a história que foi apagada pelo tempo na Terra e em Marte.;