Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

O risco representado pelas mamadeiras para os pequenos

Mães morrem de tristeza ao deixar os filhos em casa depois do término da licença-maternidade. Começa aí uma longa fase de adaptação, que inclui, entre outras coisas, a introdução da amamentação artificial. E a grande estrela desse processo é a mamadeira. Embora os médicos tenham algumas restrições ao uso do utensílio, ele se transforma na única alternativa para muitas famílias, que precisam substituir o peito materno sem trazer prejuízos ao desenvolvimento da criança. O Correio conversou com especialistas para esclarecer quais são os cuidados necessários à adoção desse produto. Com cautela na hora de comprar e higienizar o objeto e atenção às reações do bebê, a mamadeira pode se tornar uma aliada dos pais quando chega o momento de a amamentação ser substituída.

Os pediatras têm uma série de razões para querer limitar o uso da mamadeira. A primeira delas diz respeito à valorização do leite materno, alimento único e essencial para crianças até os seis meses. A preferência pela amamentação também se justifica pelo exercício que o bebê faz ao sugar o peito da mãe (veja infografia). ;Esse processo exige um posicionamento correto da boca contra o seio, estimulando a força e a respiração. Com a mamadeira, esse movimento é muito mais passivo e exige menos esforço do menino ou da menina;, aponta Aramis Lopes Neto, presidente do Departamento Científico de Segurança da Criança e do Adolescente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Como consequência, o bebê pode não preparar os músculos da língua e da boca para funções que surgirão mais tarde, como a fala e a mastigação. Em uma analogia, é como se alguém fosse fazer musculação usando um peso falso. ;A forma de ordenha no peito materno e na mamadeira é completamente diferente. Se você não prepara a região, a criança pode sofrer com problemas de dicção no futuro;, alerta a professora Zelita Ferreira Guedes, do Departamento de Fonoaudiologia da Escola Paulista de Medicina. Parte desses riscos foi reduzida com a chegada de mamadeiras ortodônticas ao mercado, que imitam o formato do bico do seio da mãe, mais achatado.

São esses modelos que a assistente administrativa Rosana Kelly de Paula, 37 anos, procura comprar para a filha Maria Alice, 8 meses. Recentemente, ela renovou o estoque do utensílio, adquirido no exterior. ;Além do bico ortodôntico, algumas marcas prometem acabar com as cólicas. E, comprando lá fora, o produto sai bem mais barato;, diz. Para escolher a mamadeira, Kelly se baseia em informações compartilhadas com outras mães. ;O pediatra nunca aconselha, então a gente acaba aprendendo com quem já passou por isso;, conta. ;Eu sou a favor da amamentação, mas, depois que voltei a trabalhar, não consegui tirar leite suficiente.;

A economista Ginne Siqueira, 36 anos, também procurou se informar sobre as marcas de mamadeira quando a filha, Luisa, 2, era menor. ;Na época, eu gastava muito dinheiro com isso. Para repor o bico, eram R$ 7 e, quando ela começou a ter dentinhos, ia quase um por semana;, lembra Ginne. Hoje, a menina continua tomando leite de manhã e à noite, mas em utensílios mais baratos, comprados no supermercado. ;Os pediatras não gostam de falar muito sobre isso, então a gente fica meio solta, decidindo sozinha sobra a compra da mamadeira;, reclama.

Perigo
Nessa busca empírica das mães, o principal risco ocorre quando elas tentam ;facilitar; a vida do bebê, aumentando a circunferência do canal por onde o líquido passa. ;O bico jamais deve ser cortado ou alargado. Para verificar se está tudo certo, vire o utensílio de cabeça para baixo e observe se o leite apenas goteja. Ele não deve jorrar;, aconselha a professora Zelita Guedes. Além disso, os pais precisam ficar atentos aos tipos de alimentos que as crianças estão ingerindo. Muita gente serve mingau e outros líquidos mais grossos na mamadeira, o que é errado. ;Se o menino ou a menina já tem condições de comer essas coisas, isso deve ir para o pratinho com colher;, detalha a fonoaudióloga. ;A mamadeira tem um período de uso muito pequeno, até por volta de 1 ano e 6 meses. Depois disso, a criança deve começar a usar o copo.;

Outro cuidado que os pais precisam ter é com a parte de baixo da mamadeira. Na semana passada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou uma resolução que proíbe a produção e a comercialização de copos do objeto produzidos com bisfenol A, uma substância tóxica que, em tese, poderia ser liberada para os alimentos. A medida, já adotada em locais como o Canadá, a Austrália e a União Europeia, tem como base um estudo científico internacional divulgado em 2010. Nele, pesquisadores norte-americanos apontaram que o bisfenol causou danos neurológicos ao organismo de camundongos. ;Ainda não está claro como isso acontece, então os países proibiram a substância por precaução. Crianças até 2 anos são um público muito vulnerável, mas outros estudos ainda vão confirmar os riscos;, esclarece a gerente geral de alimentos da Anvisa, Denise Rezende.

Para evitar problemas, as fabricantes brasileiras já estão substituindo o policarbonato das mamadeiras (que contém o bisfenol) pelo polipropileno, um material semelhante, mas de aparência mais opaca. ;O bisfenol está presente em boa parte dos plásticos transparentes rígidos. Nós convivemos com isso o tempo todo, em galões de 20 litros de água, por exemplo;, diz Marcelo Santos, químico da Universidade de Brasília. ;Ele não tem uma toxicidade imediata, mas a grande questão é que crianças pequenas ainda estão formando sua imunidade;, lembra o especialista. Segundo a Associação Brasileira de Produtos Infantis (Abrapur), as empresas pararam de produzir mamadeiras com bisfenol desde outubro do ano passado. O problema é que ainda há 5 milhões de unidades ;à moda antiga; no mercado (veja Para saber mais).

Enquanto esses produtos ainda permanecem nas prateleiras, muitas mães procuram evitar o risco comprando mamadeiras importadas. ;A gente sempre compra um utensílio fabricado no exterior, porque, no Brasil, não sabemos quais marcas possuem o bisfenol;, conta a gerente Gisele Mota, 31 anos, mãe de Maria Eduarda, 8 meses. ;Procuro o plástico que não tem policarbonato, pois fico mais tranquila;, completa.

Sinal de saúde?
A substituição precoce do aleitamento materno pelo artificial pode acabar trazendo aos pais uma espécie de alívio em relação à evolução nutricional do bebê. Isso porque o leite de vaca, geralmente adotado nessa fase, tem mais gordura. ;A criança acaba ganhando peso, o que deixa a mãe mais tranquila. É preciso lembrar, porém, que o líquido animal não possui os mesmos nutrientes que o leite materno;, ressalta a fonoaudióloga Zelita Guedes.