Nas últimas três décadas, o Brasil e o mundo ficaram mais doentes e gordos ; e tudo indica que, se nada for feito, a população do planeta vai permanecer em um caminho sem volta. É essa a opinião dos especialistas que se dedicam a entender melhor doenças não transmissíveis, como diabetes, câncer, acidentes cardiovasculares e males respiratórios, que, juntas, matam cerca de 36 milhões de pessoas por ano. A preocupação é tão evidente que assumiu as proporções de uma aliança global na semana de reuniões ocorridas na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Gestores e especialistas em saúde pública de todo o planeta puseram na mesa a necessidade inadiável de uma solução.
Um dos principais focos das discussões que começaram no último domingo foi o diabetes ; que já afeta cerca de 360 milhões de pessoas no mundo e mata uma a cada sete segundos, de acordo com a Federação Internacional de Diabetes. O número, divulgado nas reuniões na ONU, foi levado a Lisboa pela entidade durante um congresso mundial sobre a doença. Os médicos ficaram ainda mais preocupados com a má notícia porque essa é apenas uma revisão de dados recentes ; divulgados em 2009, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ;, quando o diabetes matava então uma pessoa a cada 10 segundos e atingia cerca de 245 milhões.
O mais grave, segundo Rogério Silicari Ribeiro, endocrinologista-chefe do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, é que 50% das pessoas de países em desenvolvimento, como o Brasil, não sabem que convivem com a doença. O inimigo silencioso, oculto e, muitas vezes, fatal ataca no Brasil algo em torno de 60 milhões de habitantes. ;É preciso, portanto, organizar depressa programas educativos na linha da prevenção e desenvolver a ideia de interrogar o indivíduo, desde os postos de saúde, sobre a história familiar, o baixo consumo de fibras e altas taxas de calorias;, comenta, ao sugerir métodos coletivos para chamar as pessoas à realidade. ;O Brasil precisa montar um mapa da doença, que ainda não temos.;
Para Angélica Amato, professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), sem diagnóstico, esses pacientes estão morrendo de infarto, amputando membros, expondo-se à cegueira e a outras comorbidades. De acordo com a médica, que também trabalha no Laboratório de Endocrinologia do Hospital Universitário (HUB), as políticas públicas brasileiras precisam ser mais agressivas. ;As ações educativas deveriam começar na escola, para formar crianças e adolescentes mais saudáveis. É preciso fazer uma teia de decisões que melhorem o perfil da população e previnam a doença.;
Aceleração
Embora a OMS preveja que a epidemia global de doenças não transmissíveis será acelerada nas próximas duas décadas ; o número de mortes alcançaria então 52 milhões por ano até 2030 ;, a participação mais efetiva dos governos em campanhas e pesquisas sobre prevenção desse tipo de mal poderia barrar o ritmo do avanço. ;Não creio que essa guerra esteja perdida, mas a iniciativa brasileira em termos de políticas públicas ainda é tímida e não tem abrangência expressiva na população;, afirma a presidente regional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, Monalisa Azevedo. ;É preciso incentivar táticas de reeducação alimentar, estimulando o brasileiro a fazer exercícios, consumir mais fibras e menos produtos industrializados.;
Em um país onde apenas 14% dos adolescentes se mexem para valer e comem frutas, legumes e verduras ; e 30% das crianças de 5 a 9 anos e 50% da população adulta estão acima do peso ;, as perspectivas não são nada boas. Enquanto se alastra a epidemia do diabetes, o Brasil vive um surto de inércia, reclamam os médicos. Não é à toa que 59% das pessoas que convivem com problemas de saúde são gordas ou obesas.
O diabetes melito é uma doença caracterizada pela elevação da taxa de glicose no sangue (a hiperglicemia) e ocorre devido a defeitos na secreção e/ou na ação da insulina. A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas e tem inúmeras funções, entre as quais promover a entrada de glicose nas células, para que ela possa ser utilizada nas diversas atividades celulares ou armazenada como fonte de energia.
Há duas versões da doença. O diabetes tipo 1 é resultado da destruição das células pancreáticas produtoras de insulina por um processo imunológico, e é caracterizado por deficiência completa da produção de insulina. No diabetes tipo 2, embora as causas não sejam completamente definidas, sabe-se que fatores ambientais e hereditários estão envolvidos em seu desenvolvimento. ;Em especial, aqueles relacionados à obesidade, a hábitos alimentares inadequados, ao tabagismo e ao sedentarismo, que são considerados os principais determinantes da epidemia da doença observada nos últimos anos;, explica Monalisa Azevedo.
Os dados sobre o diabetes no mundo são tão inquietantes que o Fórum Econômico Mundial advertiu a ONU, esta semana, que o impacto econômico global das cinco principais doenças não transmissíveis ; câncer, diabetes, males mentais, problemas cardíacos e casos respiratórios ; pode chegar a US$ 47 trilhões nos próximos 20 anos, se nada for feito para preveni-las.
Alerta permanente
Se os gatilhos que acionam o processo da doença são fatores genéticos e ambientais, o caso da agente administrativa Kátia Cristiane da Silva é muito representativo da herança desconfortável de um mal que obriga as pessoas a permanecerem em estado de alerta a vida inteira. Na família, o pai morreu aos 56 anos, de complicações ocasionadas pelo diabetes. Ela tem duas irmãs gêmeas que sofrem do mesmo mal ; além da mãe, de tias e outros parentes. ;Graças a Deus, meus três filhos (de 17 anos, 14 e 1 ano e 2 meses) não têm nada;, suspira, aliviada. Kátia afirma que não come doces e até ;exagera; nas frutas, nos legumes e nas verduras durante as refeições.
Kátia controla os níveis de glicose com a metformina e só precisou de insulina nos períodos de gestação. Além do tradicional tratamento injetável, hoje a medicina oferece outros, também à base de seringas e agulhas, como a metformina e a liraglutida. ;Esses medicamentos não substituem a insulina. Quando o paciente mostra sinais de deficiência da substância, com perda de peso sem explicação, ou há falha dos outros medicamentos em controlar a glicose, o tratamento com insulina será sempre necessário;, explica Angélica Amato, que acompanha o caso de Kátia. ;Espero nunca precisar. Faço tudo que mandam, porque tenho medo, sabe? Meu pai morreu muito novo.;
Novos aliados
No caso do diabetes tipo 2 muitos pacientes têm dificuldade de aceitar uma medicação injetável. No caso da liraglutida, que também é injetável, ela tem o atrativo de resultar em perda de peso, diferentemente da insulina. A insulina ; que ainda é a medicação mais poderosa, pois controla a glicose mesmo quando os outros medicamentos já não são capazes de fazê-lo ; pode ser introduzida em qualquer etapa da doença, mesmo numa em que o paciente ainda apresente função pancreática, ou produção de insulina. Atualmente, há um conjunto de medicamentos possíveis para tratamento do diabetes, que podem ser combinados, mas não substituem a insulina.