Diz-se que na ciência não existem verdades definitivas. Hipóteses, teorias e conhecimentos que se acredita estarem corretos, mais cedo ou mais tarde, podem ser derrubados. Ontem pode ter sido um dia histórico para a física e a ciência em geral. Isso porque cientistas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern) anunciaram um evento que pode derrubar a famosa Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Utilizando um acelerador de partículas, os pesquisadores detectaram neutrinos ; partículas componentes do átomo ; viajando a uma velocidade maior que a da luz, o que contraria as leis mais básicas da física, incluindo aquelas elaboradas por Einstein.
Segundo o centro de pesquisa, as partículas subatômicas percorreram os 730km que separam as instalações do Cern em Genebra, na Suíça, do laboratório subterrâneo de Gran Sasso, no centro da Itália, a 300.006km/s. Ou seja, 6km/s mais veloz que a luz. ;Dito de outro modo, em uma corrida de 730km, os neutrinos cruzaram a linha de chegada com 20m de vantagem (em relação à luz);, explica um comunicado divulgado pelo Cern.
A descoberta possui um caráter tão revolucionário para a física que os pesquisadores decidiram ampliar seus estudos. ;Nós não encontramos qualquer efeito instrumental que poderia explicar o resultado da medição;, disse Antonio Ereditato, físico da Universidade de Berna, na Suíça, que esteve envolvido no experimento, conhecido como Opera. Diante da aparente confirmação do fato, o grupo sugere que novos estudos sejam feitos para reafirmar que os neutrinos possuem mesmo a capacidade de superar a velocidade da luz.
Ceticismo
A primeira reação da comunidade científica à descoberta foi um misto de surpresa e ceticismo. ;O sentimento que a maioria das pessoas tem é que não pode estar certo, isso não pode ser real;, disse à imprensa James Gillies, porta-voz do Cern. ;É um choque;, afirmou o físico teórico Stephen Parke, do Fermi National Accelerator Laboratory, de Chicago, comentando a pesquisa europeia. ;Se isso for verdade, vai nos causar problemas, não há dúvida sobre isso;, opinou o norte-americano.
Em entrevista ao Correio, Frank Wilczek, vencedor do Nobel de Física e cientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), afirmou estar bastante surpreso com a novidade. ;Seria um episódio bastante assustador. Eu ficarei muito surpreso se isso estiver correto. Eu não estou ciente de qualquer teoria coerente que preveja tal coisa. E há uma teoria muito coerente e bem-sucedida, o chamado modelo padrão, que nega essa possibilidade. Isso seria difícil de reconciliar com tudo o que já sabemos;, afirmou.
O especialista acredita que novos estudos não confirmarão a descoberta feita na Europa. ;O experimento não é fácil e existem muitas possibilidades de erros. Eu não ficaria tão excitado até que isso seja cuidadosamente apurado pela comunidade científica, e seja reproduzido;, explicou o laureado pelo Nobel.
;É muito difícil reconciliar essa descoberta com as coisas que sabemos, entre elas a Teoria da Relatividade, que tem sido testada há vários anos;, completa.
Diante do caráter altamente controverso da pesquisa, os pesquisadores do Cern pedem, agora, que os testes sejam repetidos por físicos ao redor do mundo. ;Em vista do enorme impacto que esse resultado pode ter para a física, são necessárias medições independentes para que o efeito observado possa ser refutado ou formalmente estabelecido;, destacou o centro de pesquisa.
A luz é o limite
Elaborada pelo físico austríaco Albert Einstein, em 1905, a teoria diz que a energia é igual à massa vezes a velocidade da luz subjacente ao quadrado, a famosa equação E=mc;. Essa proposição, que rege praticamente tudo na física moderna, não admite que qualquer porção da matéria, mesmo uma partícula subatômica, ou seja, menor que um átomo, consiga romper a barreira da luz, considerada a máxima do Universo.