Belo Horizonte ; O Brasil é um dos 15 países que já podem contar com um dispositivo inovador que está mudando o tratamento de artérias coronárias com estreitamento, causado por placas de gordura acumuladas. O stent bioabsorvível, que está em fase mundial de testes, traz a vantagem de ser absorvido pelo organismo em até dois anos e meio. Ontem, uma mulher de 57 anos, moradora de Uberlândia (MG), recebeu com sucesso o dispositivo e se recupera bem da intervenção cardíaca realizada no Instituto do Coração do Triângulo Mineiro. Trata-se da segunda cirurgia do tipo no Brasil. Há menos de um mês, outro paciente brasileiro foi submetido ao mesmo procedimento no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo. Até agora, 341 pacientes em todo o mundo testaram a nova tecnologia.
Diante dos bons resultados apresentados até agora, a Europa aprovou a comercialização do dispositivo, que deve chegar ao mercado no fim do ano. No Brasil, a pesquisa continua e a aprovação depende da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). ;Os pacientes que têm outro tipo de stent não precisam sair correndo para trocá-lo. O bioabsorvível é um avanço, mas não significa que vai substituir o que existe. Ele vem para melhorar o que já estava bom;, esclarece o cardiologista do Instituto do Coração do Triângulo Mineiro, Roberto Botelho, responsável pelo procedimento de ontem.
Os cientistas já vinham observando que o stent metálico tinha alguns inconvenientes. O principal deles é o fato de o vaso sanguíneo não recuperar sua função normal com o implante, que permanece para sempre no corpo do paciente. ;Quando você coloca um dispositivo convencional, tem um resultado espetacular, mas, como a estrutura é rígida, a artéria perde sua motricidade natural e não consegue responder aos diferentes estímulos;, explica Botelho. Isso significa dizer que o vaso permanece com a mesma forma, independentemente se o coração está em atividade ou repouso, se sente estresse, amor, ódio, alegria ou tristeza.
Com o stent bioabsorvível, o problema se resolveu. O dispositivo é feito de ácido polilático, uma substância que faz parte do corpo humano e é facilmente absorvida pelo organismo. O processo de absorção se inicia seis meses depois da cirurgia e pode demorar até dois anos e meio para chegar ao fim. Nesse tempo, as moléculas que formam o stent são transformadas em água e ácido lático e logo são eliminadas pela urina. O período em que o implante permanece no coração é suficiente para devolver à artéria sua forma original e sua motricidade, necessária para se adaptar às mais diversas emoções, sem o apoio de qualquer estrutura metálica. O vaso sanguíneo pode, então, mover-se com flexibilidade e pulsar como se nunca tivesse adoecido.
As vantagens do novo dispositivo não param por aí. O stent bioabsorvível promete facilitar a vida de pacientes que não toleram o medicamento antiplaquetário ou necessitam se submeter a algum procedimento não cardíaco depois da angioplastia. Segundo o cardiologista do Instituto do Coração do Triângulo Mineiro, quem recebe o implante metálico é obrigado a tomar o remédio por, pelo menos, mais um ano, um problema para aqueles que necessitam voltar à mesa de cirurgia ou apresentam algum tipo de intolerância à droga. O estudo em curso mostra que, depois de seis meses, nenhum dos implantados que participou do teste precisou tomar o remédio.
Outro inconveniente da estrutura metálica surge quando há necessidade de se tratar o vaso que já recebeu o implante. O stent convencional acaba dificultando o trabalho dos médicos na hora da cirurgia. Como o novo dispositivo é absorvido, o segundo procedimento pode ser realizado com mais facilidade. ;A soma de tudo isso é que traz o benefício;, atesta Botelho.
Contraindicações
As contraindicações para implantar o dispositivo cardíaco bioabsorvível são praticamente as mesmas para o stent convencional. No estudo em curso, o procedimento não foi feito em pacientes cuja artéria coronária está com excesso de cálcio, é muito curvada ou tem diâmetro maior que 3mm ou menor que 2,5mm. Roberto Botelho conta que a paciente de Uberlândia tinha uma obstrução na artéria coronária direita e estava sentindo dores no peito. Os exames na fase de diagnóstico, concluído há cerca de um mês, mostraram falta de oxigenação na parede inferior do coração.
O método de implante também é parecido com o dos stents convencionais. O procedimento é minimamente invasivo e a anestesia, local. O paciente se interna no mesmo dia do procedimento. Não há nenhum corte, apenas o furo de uma agulha no pulso direito. A partir daí, o cateter com o dispositivo bioabsorvível segue até a artéria do coração a ser tratada. Com ele, segue uma droga capaz de reduzir a ocorrência de inflamações e formação de coágulos no vaso sanguíneo. O procedimento dura, em média, 30 minutos. Ao fim, o paciente recebe um curativo compressivo no punho, com uma pulseira inflável que comprime a artéria por uma hora. Não fica cicatriz nem qualquer outro tipo de marca.
Até agora, os testes não registraram nenhum caso de rejeição ou formação de coágulo depois da intervenção para implantar o dispositivo bioabsorvível. Mais uma notícia a ser comemorada.
Histórico
- A invenção do dispositivo bioabsorvível, chamado absorb no meio médico, é considerada a quarta revolução no tratamento de doença arterial coronariana
- A primeira foi em 1977. O alemão Andreas Gruentzig criou na cozinha de casa um pequeno balão para acoplar à ponta de um cateter. O balão era inflado com uma bomba de ar e, quando era colocado na artéria com entupimento, conseguia abri-la novamente
- Em 1986, ocorre a segunda revolução. O americano Richard Schatz e o argentino Julio Palmaz tiveram a ideia de colocar mola de aço inoxidável em volta do balão. Era para dar estrutura à artéria, que costumava se retrair quando recebia apenas o balão. O primeiro procedimento no mundo foi no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo
- O stent farmacológico, lançado em 2000, marca a terceira etapa da revolução. Como se observou-que o balão recolhia e a mola dava reação, o que fazia voltar o entupimento da artéria em seis meses, especialistas resolveram colocar um medicamento antiqueloide, usado para impedir a rejeição de transplante, no novo dispositivo