Eles são nojentos, fazem mal à saúde e, por isso, muita gente passa boa parte da vida tomando remédios para evitá-los. Ainda assim, há quem atravesse oceanos para comprar os mais variados tipos de vermes, com o objetivo de inseri-los no organismo. A chamada helmintoterapia pode parecer loucura, mas, de acordo com pesquisas internacionais, é promissora no tratamento de doenças autoimunes ; aquelas em que as células de defesa começam a atacar o corpo sem motivo aparente, resultando em males como diabetes tipo 1, lúpus e alergias.
Em nenhuma parte do mundo, exceto no México e na Tailândia, a terapia tem aval das agências regulatórias. Nos Estados Unidos, na Austrália e em países da Europa, universidades e institutos de pesquisa têm realizado estudos desde a década de 1980, mas apenas de forma experimental. No Brasil, não há registros de pedidos para a realização de testes semelhantes.
Muitos pacientes de doenças autoimunes, entretanto, ignoram a proibição oficial e vão atrás dos vermes. Foi graças à ;automedicação; de um americano, em 2004, que o parasitologista P;ng Loke, professor do Centro Médico Langone, da Universidade de Nova York, decidiu pesquisar o assunto. Acabou publicando, no ano passado, um artigo na renomada revista médica Science Translational Medicine.
Em 2003, o homem, um californiano com então 28 anos, foi diagnosticado com colite ulcerativa, doença inflamatória crônica do intestino que causa extremo desconforto. O quadro do paciente era severo, e ele precisou ser medicado com drogas fortes. ;Em 2004, os médicos acharam que a única solução seria retirar seu cólon;, conta Loke ao Correio. ;Mas ele preferiu se infectar.;
Viagem
O homem viajou à Tailândia, onde é permitida a venda de vermes para fins terapêuticos e comprou ovos de T. trichiura, parasita que se alimenta da mucosa intestinal e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, afeta 900 milhões de pessoas, principalmente na África e na Ásia. Primeiro, ele ingeriu 500 ovos, retirados de uma menina de 11 anos e cultivados in vitro. Três meses depois, engoliu mais mil ovos. No ano seguinte, estava livre da doença e de seus sintomas.
As imagens dos exames do paciente são de embrulhar o estômago. Os vermes, que se parecem com pequenas minhocas brancas, passeiam livremente pelo cólon ; mas não há sinais de inflamações. O tecido intestinal estava intacto, prova de que os parasitas não provocaram danos ao organismo. Durante três anos, a colite ulcerativa não o incomodou. Até que o número de vermes começou a diminuir, passando de 15 mil por grama para menos de 7 mil. A doença voltou, e o paciente decidiu se infectar novamente. Voltou a Tailândia e ingeriu, dessa vez, 2 mil ovos. Clinicamente, estava curado.
De acordo com Lock, a ideia de que vermes podem curar doenças autoimunes é antiga, mas, até agora, não se sabia o porquê. ;Nosso estudo sugere que a infecção com esse parasita aumenta ou restaura a produção de muco no cólon, promovendo alívio da doença;, diz. Quando analisaram as amostras de tecido do paciente, Lock e seus colegas da Universidade de Nova York descobriram um alto número de células CD4%2bT, que compõem o sistema imunológico e produzem uma proteína inflamatória chamada interleucina-17. Já os tecidos retirados depois da ingestão dos vermes, quando a doença estava em remissão, continham células produtoras da interleucina-22, uma importante substância na proteção do muco. Para os cientistas, ao expelir o verme, o sistema imunológico aparentemente ativa células especializadas.
Embora deixe claro que não é um
defensor da terapia com vermes, Lock acredita que mais pesquisas poderão levar ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes do que os remédios atuais ; eles ainda não curam, apenas amenizam os sintomas. O especialista alerta, contudo, que testes com humanos só devem ser realizados depois de se confirmar a segurança da terapia.