Três meses depois do tsunami que arrasou o Japão e causou um desastre na usina de Fukushima, no nordeste do país, uma exposição com 60 fotos inéditas da cidade de Hiroshima após o bombardeio atômico de 6 de agosto de 1945 engrossa o debate sobre os riscos do uso da energia nuclear. Intitulada Hiroshima: ground zero 1945, a mostra traz imagens nunca antes divulgadas dos efeitos da primeira utilização de uma bomba atômica contra um centro urbano.
A exposição, em cartaz até 28 de agosto no Centro Internacional de Fotografia (ICP, na sigla em inglês), em Nova York, mais parece uma necropsia urbana realizada pelos americanos na cidade que tinham acabado de destruir. As fotos mostram prédios danificados, estruturas retorcidas, paisagens vazias e silenciosas, como se fossem ruínas de uma civilização desaparecida. É possível ver prédios públicos, pontes, escolas, bibliotecas, vidros estilhaçados, roupas e pinturas derretidas pelo calor.
Segundo Erin Barnett, curadora assistente do ICP, a exposição pode ajudar o mundo a compreender a imensa escala de devastação desencandeada pela bomba atômica. ;Acredito que o aumento desse conhecimento só pode ajudar a guiar as ações futuras;, afirma em entrevista ao Correio. O maior mérito da mostra é trazer ao público cenas da devastação de Hiroshima nunca antes divulgadas. Logo depois do bombardeio, o presidente dos Estados Unidos na época, Harry Truman, restringiu a circulação de qualquer imagem do ataque nuclear.
As fotos exibidas foram reproduzidas em um relatório de três volumes produzido em 1947 pelo governo americano. Chamado ;Os efeitos da bomba atômica em Hiroshima;, era composto por 1.125 fotos. O ICP teve acesso a 700 delas. As imagens foram feitas menos de dois meses depois do bombardeio por uma equipe de cerca de 150 pessoas, que incluía civis e militares. O objetivo era rastrear os caminhos da destruição nuclear, analisar os efeitos da explosão e como o concreto, o metal e a madeira reagiram à pressão e ao calor intensos provocados pela bomba.
Durante um mês, esses homens colheram dados que serviriam de base para o planejamento urbano e a construção de edifícios nos Estados Unidos. Na conclusão dos técnicos, as estruturas de concreto dos prédios deveriam ser reforçadas, e as indústrias essenciais, deslocadas para a periferia, para que fossem preservadas caso houvesse um bombardeio nuclear nas cidades norte-americanas.
Danos revelados
Para Erin Barnett, é importante mostrar os detalhes dos danos físicos provocados pela bomba. ;A maioria das pessoas têm apenas visto fotografias aéreas ou da nuvem de cogumelo após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki. Ninguém viu de perto os danos causados por eles;, opina. ;Por enquanto expomos 60 imagens e estamos estudando levar a mostra para outros países;, completa.
A comerciante e historiadora Yasuko Morita, 62 anos, nasceu em Hiroshima dois anos depois da cidade ser devastada pela bomba. Filha de Takashi Morita ; um dos 120 sobreviventes que migraram para o Brasil após a tragédia, hoje com 87 anos ;, Yasuko faz coro com a curadora e enxerga a exposição como uma forma de revelar ao mundo o poder de destruição das armas nucleares. ;A falta de evidência visual sobre o efeito da bomba atômica nos ajudou a esquecer as suas consequências devastadoras. Hoje, ela volta à tona;, opina.
Membro da Associação Hibakusha Brasil pela Paz (o termo em japonês significa ;sobreviventes da bomba atômica;), Yasuko acredita também que a mostra possa aquecer a discussão mundial sobre a utilização de energia nuclear. ;Disseram que é mais barata. Mas o barato sai caro. Fukushima é como uma dívida para o futuro, é mais um castigo para o Japão;, argumenta. Para ela, não há justificativa para o uso das usinas atômicas, pois existem outras fontes de energia, mais seguras. ;Não temos que mexer em algo que não se sabe como desligar.;
Quente como o Sol
Batizada Little Boy (pequeno garoto), a bomba que atingiu Hiroshima tinha 60kg de urânio, uma carga equivalente a 15 mil toneladas de dinamite. Foi detonada a 576m de altura, às 8h13 de 6 de agosto de 1945. A explosão elevou a temperatura a 5,5 milhões de graus centígrados ; similar à temperatura do Sol ;, matando 70 mil pessoas num raio de 2km instantaneamente. Após um silencioso clarão, ergueu-se uma espessa nuvem de poeira e fragmentos de fissão. Uma chuva formada por gotas negras, do tamanho de bolas de gude, caiu depois da explosão, atingindo vegetações e reservatórios de água. Hiroshima pode ter sido escolhida para o ataque porque fica no centro de um vale ; o que aumenta o impacto da explosão, já que as montanhas ao redor prenderiam as ondas de calor, a radiação ultravioleta e os raios térmicos produzidos no ataque